Matheus Kniss Pereira
Especialista em Direito Empresarial
Por causa da atuação das sociedades anônimas de capital aberto no mercado mobiliário, as ações preferenciais são comumente consideradas instrumentos para a sua capitalização, sem que o acionista tenha poderes para intervir nos negócios sociais. Um dos aspectos mais relevantes se refere à vedação do direito de voto, instrumento essencial na tomada de decisões submetidas à apreciação da assembleia geral.
Em linhas gerais, as ações preferenciais garantem ao seu proprietário direitos exclusivos em substituição à supressão dos direitos políticos, como a prioridade no recebimento de lucros e dividendos, conforme dispõe o art. 17, da Lei n. 6.404/1976. Todavia, o mesmo art. 17, em seu parágrafo segundo, admite a possibilidade de concessão de outras vantagens além daquelas expressamente previstas.
Nas holdings familiares, por exemplo, os patriarcas integralizam o seu patrimônio ao capital, com posterior transferência das ações aos sucessores. Nessa circunstância, os sucessores passam a ser os titulares do patrimônio por via transversa, pela conversão do patrimônio em ações após a integralização. Pode-se imaginar que, nesses casos, os patriarcas não mais deterão o controle sobre o patrimônio integralizado, o que pode ser evitado por outros instrumentos.
A questão pode ser resolvida por meio da reserva de usufruto (arts. 1.390 e seguintes, do Código Civil), quando as ações, ainda que sob a propriedade dos herdeiros, continuam sob o uso, gozo e fruição dos titulares originários do patrimônio, extinguindo-se automaticamente com o falecimento. Todavia, a lei determina a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, sobre a instituição de usufruto convencional.
No estado do Paraná, a alíquota aplicável ao ITCMD é fixa de 4% (quatro por cento), na forma do art. 22, da Lei Estadual n. 18.573/2015. O fato gerador ocorre na data de instituição de usufruto convencional ou de qualquer outro direito real (art. 13, II, “a”, da L18573); a base de cálculo é a metade do valor do bem (art. 20, da L18573). No Paraná, incide o ITCMD sobre a extinção do usufruto (anteriormente vedado, art. 9º, V, da L18573, revogado pela Lei Estadual n. 18.879/2016), a despeito de algumas decisões já surgirem em território nacional vedando a prática.
É fato que, apesar dos encargos tributários, a instituição de usufruto sobre as ações do capital transforma os titulares em nu-proprietários e mantém os direitos de uso, gozo e fruição em favor dos usufrutuários. A extinção automática do usufruto em decorrência da morte (art. 1.410, I, do Código Civil) é um fator atrativo, já que torna a operação também independente de inventário, principal foco do planejamento societário e sucessório.
Assim, há que se observar a dupla incidência de ITCMD nesses casos: primeiro pela doação de ações aos filhos, e segundo pela instituição de usufruto em favor dos patriarcas. A operação de doação pode ser convertida em compra e venda, com a incidência de ganho de capital se os bens tiverem sido integralizados a valor contábil (art. 142, do RIR/2018) e a transferência se der pelo valor de mercado auferido em avaliação, com a possibilidade de incidência das penalidades convencionais.
Por outro lado, a ação preferencial estruturada sob a forma de Golden Share, por sua natureza, pode ser objeto de extinção automática com a superveniência da morte sem que nenhum tributo lhe seja incidente.
Além das prioridade na distribuição de lucros e dividendos (art. 17, I, da L6404) e reembolso de capital com ou sem prêmio (art. 17, II, da L6404), outras vantagens lhes podem ser atribuídas (art. 17, §2º, da L6404). Destacam-se, para as finalidades convencionais do planejamento sucessório, os especiais poderes de veto, desempate, escolha de membros da diretoria, definição de valores de alçada em que é dispensada a atuação da assembleia geral, criação de novas obrigações ou alienação de patrimônio do ativo.
Associada a um adequado acordo de acionistas, com normas rígidas de compliance e governança corporativa, definindo-se o escopo de atuação da diretoria da companhia em conexão com eventual conselho de administração, a Golden Share garante que os patriarcas transfiram seu patrimônio em integralização de capital sem que deixem de exercer controle sobre tais ativos.
O estatuto social deve prever todas as vantagens atribuídas à ação preferencial sem direito a voto ou com restrição de voto, de forma minuciosa e precisa, definindo expressamente que poderes lhe são concedidos em troca da supressão dos seus direitos políticos. Do mesmo modo, o direito de possuir uma Golden Share pode ser considerado personalíssimo por definição do próprio estatuto, a depender das disposições sobre o seu alcance. Neste caso, os instrumentos societários da companhia podem também dispor sobre a extinção automática da ação na hipótese de óbito ou incapacidade permanente, bem como a incidência de cláusulas restritivas, como a incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade.
O BASDA e seus profissionais atuam há mais de uma década na estruturação de projetos societários e mantêm constante atenção nas inovações introduzidas no ordenamento jurídico nacional e que podem ser incorporadas aos projetos patrimoniais.