Dos Embargos Em Execução Fiscal E Seu (Natural) Efeito Suspensivo

Por Gabriel Luis Marcon Bark

Advogado, pós-graduado em Direito Aduaneiro e Tributário pela PUC-MG, mestrando em Processo Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina.

 

Em 18 de fevereiro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5.165, decidiu que após a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) por força da redação dada ao art. 919, quando do uso da defesa processual dos Embargos em Execução Fiscal pelos devedores que figuram no polo passivo dos processos de Execução Fiscal, não há qualquer inconstitucionalidade na manutenção da Execução Fiscal em andamento.

A depender do nível de familiaridade do leitor com o tema, ou bem se pode dizer que não há complexidade que demande explorar o assunto em um artigo próprio, ou bem se entende que o assunto é de tal especificidade que a compreensão é mais bem colocada a quem atua, em nível técnico, na área.

Pois bem, como costuma ser dito nos artigos publicados nesta sede, não há pacífica unanimidade que faça o debate ser prescindível, qualquer que seja a matéria, em vista da miríade de tons de cinza que podem compor aquilo que poder-se-ia entender como preto no branco. E é isso que se pretende explorar neste tópico.

Com a finalidade de aclarar o ponto que compõe a dúvida, convém destacar que o cerne da discussão é a interpretação que o STF deu em norma processual que pareceu alterar a compreensão dos efeitos do uso da medida de Embargos em Execução Fiscal.

O debate não é novo, tendo tomado início com a alteração legislativa de 2006, que por meio da Lei 11.382 mudou a atribuição de efeitos do CPC de 1973 para a espécie de impugnação determinada de Embargos em Execução.

Se até então a regra era de efeito suspensivo, ao menos no âmbito dos Embargos em Execução Fiscal, com a alteração legislativa, inaugurou-se novo debate: considerando que a Execução Fiscal é matéria regida, primariamente, pela Lei de Execuções Fiscais (LEF), que corresponde à Lei 6.830/1980, pode a disposição do CPC, explicitamente subsidiário em termos de processo fiscal contencioso, ser aplicada de modo a obstar o direito do contribuinte ao efeito suspensivo?

Efeito suspensivo, de bom alvitre demonstrar, é uma consequência do manejo da defesa de Embargos em Execução, segundo a qual a Execução Fiscal deve aguardar o julgamento da defesa apresentada nos Embargos, para então prosseguir.

Não é, como alguns críticos do efeito suspensivo tendem a pontuar, um “favor” legislativo feito ao devedor fiscal: é um efeito que se aplica no uso da defesa cujo manejo, via de regra, exige penhora dos bens do devedor.

Pois bem, a dúvida demonstrada no ponto acima perdurou até o último dia 18, quando o STF entendeu pela constitucionalidade da aplicação subsidiária do CPC, afastando os argumentos de que implicaria expropriação e severa desigualdade processual a continuidade da execução fiscal.

A questão passa a ser elastecida a partir daí então: é possível se falar em total isonomia processual no rito da execução fiscal, sendo a arrecadação tributária um interesse que toca à coletividade? Qual o limite entre a salvaguarda do interesse coletivo e a segurança jurídica do contribuinte individualizado? E os casos em que a execução fiscal representa excesso, título inexequível, ou demais vícios, é efetiva a prestação jurisdicional que mantém os bens do devedor sob constrição judicial até a declaração de um defeito pré-existente, sabendo-se da possível demora no julgamento de causas complexas, por exemplo?

É que é defeso esquecer que parte relevante do problema reside no fato de que a aplicação subsidiária do CPC em Execução Fiscal não afasta a incidência da regra da LEF que determina que os embargos são oponíveis após garantia do juízo, espontânea ou não.

Mais a fundo, como fez a assessoria jurídica do Senado, em parecer remetido ao STF, poder-se-ia indagar se sequer é do tipo de matéria que deveria ser julgada pelo Pretório Excelso, haja vista parecer um questionamento infraconstitucional.

As questões que podem ser postas crescem em proporção de progressão geométrica, em lugar de aritmética. Evidentemente, conquanto sejam as perguntas que movem a busca pela resposta, e seja o ciclo de novas perguntas que torne enriquecedor o processo, certo é não pode o Julgador se eximir de pôr solução às questões que estão postas à sua frente, no momento em que são relevantes.

É que admitir que o direito anda a reboque da sociedade não significa dizer que o direito deve ser relevante quando não mais oportuno. É da essência – e da complicação – da questão compatibilizar oportunidade e relevância.

Por isso, o STF entendeu que a aplicação subsidiária do CPC na Execução Fiscal, em sentido a afastar o efeito suspensivo nestes processos, é constitucional e não afasta em qualquer medida o direito do contribuinte.

Para tanto, sopesando os argumentos favoráveis e contrários à pretensão de declaração de inconstitucionalidade, o STF pontuou que, e aí se insere o motivo pelo qual o julgamento é relevante em termos de processo civil contemporâneo, não se pode sacrificar a prestação jurisdicional efetiva a que o Fisco faz jus, se lhe for obrigatório aguardar o encerramento dos Embargos para tornar a perseguir o direito creditício.

Evidentemente, tal argumento faz sentido em um cenário de esvaziamento patrimonial, ou mesmo em um cenário em que a primeira penhora não cubra o crédito devido.

Inobstante, e aí reside o estranhamento que o julgamento causa, o motivo pelo qual segundo o STF, a efetividade jurisdicional que aguarda o Contribuinte não é prejudicada consiste no fato de ficarem os bens à disposição do Juízo, não podendo ser levantados pelo Fisco.

O estranhamento então reside no fato de que da lógica interna do julgado, o Fisco salvaguarda que eventualmente levantará o patrimônio constrito, ainda que a destempo em relação ao que seria o tempo para uma arrecadação efetiva. A dizer, parece que se encontra um meio termo, na medida em que o patrimônio constrito não é remetido instantaneamente ao credor, nem retorna ao devedor.

Em que pese possa parecer ter havido algum acerto na decisão, posto que a jurisdição deve ser efetiva para todas as partes, é certo que pontuam-se maiores questionamentos a partir desta conclusão: e nos casos de patrimônio insuficiente a dar por adimplida substancialmente a obrigação tributária e a potencialidade de esvaziamento patrimonial? E nos casos de empresas com receita recorrente, sujeita que fica a reforços de penhora sobre faturamentos vindouros: em caso de julgamento procedente dos argumentos do devedor, o levantamento de saldo posterior é suficiente para que negócios eventualmente prejudicados – especialmente dado que a postura Fazendária é, majoritariamente, de perseguir a satisfação de créditos com penhora sobre saldos e espécie em lugar dos outros bens arrolados na LEF – venham a evitar a bancarrota?

Estes questionamentos, que nem de longe são novos ou nascidos nesta opinião, pelo que parecem, tendem a permanecer. O que também permanece, todavia, é a positiva percepção do dinamismo jurídico que já foi pontuado em outro artigo, que demonstra a constante preocupação com a incorporação de conceitos que dão nova tônica às discussões jurídicas, como o que pretende definir o que é, a cada caso concreto, uma prestação jurisdicional eficaz.

Neste meio tempo, inobstante, registra-se o alerta: embargos em execução fiscal apenas suspendem a execução se presentes os requisitos de sinal de bom direito nos argumentos e perigo de demora na concessão do efeito.

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