Doação de quotas e a exigência prévia do ITCMD. (I)Legalidade?

Por Fernando Bernini de Noronha

 

Com o erário apertado e longe de se vislumbrar perspectivas positivas para o reestabelecimento da ordem econômica nacional, os entes federativos, por meio de suas entidades institucionais, buscam, de forma desenfreada, qualquer oportunidade para o aumento da receita estatal.

 

No Estado do Paraná, após a promulgação da Lei 18.573/2015, que dispõe, dentre outras questões, sobre o ITCMD (Imposto Sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações, de Quaisquer Bens ou Direitos), os notários, tabeliões, escrivães e demais serventuários de ofício, passaram a ser responsáveis solidários pelo recolhimento do tributo (art. 16, inciso I, do referido dispositivo), incidente nas operações de transmissão gratuita ou causa mortis.

 

O problema começa quando, especificamente no art. 24, inciso III, do mesmo diploma legal, é disposto que o ITCMD deve ser pago antes do respectivo registro do instrumento (constitutivo ou alterador) no Registro Público de Empresas Mercantis (no Paraná, JUCEPAR) ou no Cartório de Títulos e Documentos.

 

Por essa razão, a Junta Comercial do Estado do Paraná (JUCEPAR), através da Resolução Plenária n° 06/2018 (Item 38), ao recepcionar a já mencionada Lei 18.573/2015, estabeleceu a exigência prévia da apresentação de declaração e comprovante de recolhimento do ITCMD, nos casos de cessões não onerosas relativas a constituições ou alterações societárias.

 

Nos casos de doação de quotas sociais, por exemplo, a JUCEPAR habitualmente deixa de arquivar o ato constitutivo/alterador na hipótese de não estar instruído no processo (autenticação do ato) os documentos comprobatórios de recolhimento do tributo.

 

 

De toda sorte, os tribunais pátrios vêm coibindo tal conduta das Juntas Comerciais (especialmente a JUCEPAR), com supedâneo ao art. 7-A da Lei 11.598/2007 e art. 37 da Lei 8.934/94, permitindo o arquivamento do ato constitutivo/alterador independente do recolhimento prévio do tributo.

 

A controversa é solucionada a partir das regras de competência insculpidas na CRFB/88. O Art. 22, XXV, da CRFB/88, prevê a competência privativa da UNIÃO para legislar sobre registros públicos, devendo instituir normas gerais com vigência em todo território nacional.

 

Tal preceito encontra guarida pela simples lógica de se buscar harmonização nos procedimentos de registros públicos entre os Estados, evitando abusos e exigências que transbordam a barreira da legalidade.

 

Nesse sentido, o art. 7-A da Lei 11.598/2007, de caráter nacional, veda expressamente a exigência de regularidade das obrigações tributárias para o registro e arquivamento dos atos constitutivos e alterações das pessoas jurídicas em qualquer órgão dos 3 (três) âmbitos de governo.

 

Ou seja, a lei 18.573/2015 – que a priori foi editada para tratar de matéria tributária, competência concorrente entre a União, Estados e DF (art. 24, I, da

CRFB/88) -, acabou, bem verdade, por usurpar a competência privativa da União ao dispor sobre regras no âmbito de registros públicos.

 

Ainda que se entendesse que o dispositivo combatido trata de matéria tributária, a superveniência da lei nacional 11.598/2007 (art. 7-A), que dispõe sobre normas gerais, suspende a eficácia do art. 24, III, da lei 18.573/2015, nos moldes do art. 24, §4° da CRFB/1984.

 

Não obstante, o art. 37 da Lei 8.934/94, que apresenta em seus incisos um rol taxativo de documentos obrigatórios para instruir os pedidos de arquivamento dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas, não previu a exigência de regularidade tributária.

Ainda, o p. único do mesmo diploma legal (art. 37…) veda a exigência de qualquer outro documento não previsto no rol taxativo do art. 37 da Lei 8.934/1994.

 

Outrossim, a conduta indevida emanada pela JUCEPAR viola o princípio constitucional do livre exercício da atividade econômica, preconizado no art. 5°, inc. XIII c/c art. 170, p. único, ambos da CRFB/88.

 

Portanto, em tais casos, o ato coator, emanado pela Junta Comercial do Estado do Paraná, que viola o direito líquido e certo das empresas mercantis em obter o registro de seus atos relativos a transmissões não onerosas, deve ser afastado através da impetração do remédio constitucional do mandado de segurança.

 

Para mais informações, acesse: http://basda.blog.br/

Leave Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *