Diferencial de Alíquota de ICMS e o desrespeito ao princípio da anterioridade

Gabriel Vicente Franciscon Elias

Pós-graduando em Direito Tributário

 

Na seara do Direito Tributário, podemos dizer que o contencioso jamais deixará de existir, vez que o poder estatal não se exime de praticar ilegalidades em face dos contribuintes. A exemplo disso, observamos que o corrente ano mal iniciou e já podemos estar diante de uma indevida exigência do Diferencial de Alíquota (Difal) no Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

O ICMS, trata-se de um tributo que incide sobre as operações comerciais ocorridas dentro de um estado. Em tempos de comércio eletrônico, em que a circulação se dá entre estados, a controvérsia girava em torno da não incidência.

O Diferencial de Alíquota surgiu para regulamentar o e-commerce, pois na época, a arrecadação tributária girava somente nos estados que sediavam as empresas responsáveis pelas vendas das mercadorias.

Com a alíquota Difal, a transação comercial interestadual passou a recolher tributos no estado originário da mercadoria e no destino. Então, o estado do consumidor final tornou-se beneficiário do diferencial de alíquota, calculando a diferença entre a alíquota interna e interestadual.

Pois bem, em 05.01.2022, foi sancionada a Lei Complementar sob nº 190/2022, a qual incluiu regras gerais acerca do Diferencial de Alíquota (Difal) de ICMS na Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir).

Em verdade, a referida lei não apresenta uma “inovação” na ordem jurídica tributária, vez que possui o objeto de suprir uma lacuna legislativa deixada pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), quando da apreciação do Recurso Extraordinário (RE) nº. 1.287.019/DF, do qual exsurgiu o Tema nº 1.093 de repercussão geral.

Ao julgar o referido RE, da mesma forma que ocorreu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.469/DF, em fevereiro de 2021, o Tribunal Supremo entendeu pela ilegalidade da exigência do Difal nas operações interestaduais relacionadas a bens e serviços cujo contribuinte final não seja contribuinte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Além do mais, foram expressamente declaradas inconstitucionais as cláusulas do convênio ICMS 93/2015 que regulamentavam acerca do Diferencial de Alíquota.

Todavia, ao modular os efeitos da decisão (momento em que o órgão julgador decide a partir de quando será válido a nova tese jurídica), ao invés de o Tribunal Constitucional proteger os jurisdicionados das ilegalidades praticada pelo fisco, decidiram manter a aplicabilidade da regra inconstitucional até o final de 2021.

Em outras palavras, a Corte Suprema entendeu que o montante arrecadado possuía grande relevância para o caixa dos estados, a ponto de, na prática, permitir que o poder legislativo efetuasse a legalização do Difal, implementando novas Leis Complementares.

Contudo, a Lei Complementar sob nº 190/2022 foi sancionada somente no início de 2022, entrando em vigor na data de sua publicação, apontando a necessidade de observar a alínea “c”, do inciso III, do caput, do art. 150, da Constituição Federal (CF), que aponta a vedação em cobrar tributos sem respeitar os princípios da noventena e anterioridade anual.

A anterioridade anual, também conhecida como anterioridade clássica ou de exercício, regulamenta que na hipótese de criar ou majorar um novo tributo, somente poderá ser cobrado no exercício financeiro seguinte, fundamentando-se na não surpresa de o contribuinte ser obrigado a arcar com uma carga tributária que não estava preparado para suportar. Em que pese a importância da anterioridade anual, surgiu-se a necessidade da noventena, evitando que as casas legislativas majorem ou criem tributos nas vésperas do exercício financeiro seguinte, obrigando o estado a respeitar, além da anterioridade do exercício financeiro, o prazo de 90 (noventa) dias para cobrar o tributo, contado entre a data da sua criação ou majoração e sua exigência.

A controvérsia instalada com a regulamentação da nova Lei Complementar, então, reside no fato de que sua entrada em vigor faz, em verdade, a implementação de ICMS que, na prática majora a carga tributária dos jurisdicionados. Ora, se há aumento de carga tributária, é líquido e certo que a Lei Complementar incide na obrigatoriedade do respeito aos princípios constitucionais supra.

Diante disso, constata-se que o Diferencial de Alíquota (Difal) só poderá ser cobrado no ano subsequente da sanção legislativa, ou seja, a partir de 01.01.2023.

Porém, o Convênio ICMS nº 236/21, aprovado na 343ª Reunião Extraordinária do CONFAZ, realizada no dia 27.12.2021, autorizou a cobrança do ICMS-Difal, de forma imediata.

Sobre o tema, os fiscos estaduais possuem entendimentos divergentes, vejamos:

  • Paraná, publicou a Lei 20.949/2021, em 31.12.2021, determinando a implementação a partir de 01.04.2022;
  • Bahia, publicou a Lei 14.415/2021, em 30.12.2021, determinando a implementação a partir de 30.12.2021;
  • Pernambuco, publicou a Lei 17.625/2021, em 31.12.2021, determinando a implementação a partir de 30.03.2022;
  • Tocantins, publicou a Medida Provisória 29/2021, em 30.12.2021, determinando a implementação a partir de 30.03.2022;
  • Minas Gerais, publicou o Decreto 48.343/2021, em 31.12.2021, determinando a implementação a partir de 01.04.2022;
  • São Paulo, publicou a Lei 17.470/2021, em 13.12.2021, determinando a implementação a partir de 13.03.2022.

Além do não respeito a anterioridade de exercício, percebe-se que as normas publicadas pelos entes federados supramencionados antecederam à Lei Complementar 190/2022, recaindo em violação ao princípio da, pois a devida edição deveria ocorrer em ato posterior a sanção da Lei complementar.

Por fim, cabe aos contribuintes afetados buscar o pleito judicial, a fim de afastar a cobrança do Difal no ano corrente.

Inclusive, o poder judiciário tem concedido decisões em caráter liminar, para afastar a cobrança do Diferencial de Alíquota até 31.12.2022.

Dessa forma, o Contencioso Tributário do escritório Berehulka e Agostini Sociedade de Advogados se disponibiliza para quaisquer orientações.

 

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