O SISCRED, o Contribuinte e as Resoluções da SEFA/PR

Por Paulo Henrique Berehulka

Advogado e membro da OAB/PR desde 2003

 

Grandes nomes no Direito Tributário, tais como Augusto Becker e Aliomar Baleeiro, já diziam que o terçar de forças entre o fisco e o contribuinte jamais cessará enquanto houver estado. Posso dizer que concordo, pois, se as necessidades humanas são infinitas e os bens são finitos, não há dúvidas de que a arrecadação tributária sempre estará aquém do anseio por serviços do cidadão e do político em atendê-lo.

Em linha com esta circunstância, o constituinte brasileiro de 1988 erigiu verdadeiro muro de contenção à sanha arrecadatória fiscal, estipulando as chamadas limitações ao poder de tributar. Artigos constitucionais são outorgados, leis complementares são recepcionadas, leis estaduais são aprovadas e, por fim, regulamentos são decretados. Afinal, tudo tem limite, certo?

Mas não é assim que pensa a Secretaria de Fazenda do Estado do Paraná.

Desde o ano passado (2016) o Secretário de Fazenda resolveu que sua decisão pode limitar direitos concedidos pelo constituinte, pelo legislador complementar, pelo legislador estadual, inclusive pelo próprio governo do Estado. E a dose foi repetida neste ano de 2017.

Tratam-se das Resoluções da SEFA de n. 773/2016 e 652/2017. Em ambos os atos normativos o secretário resolve estipular um valor como teto anual para as transferências e apropriações de créditos de ICMS transferidos no âmbito do SISCRED.

De maneira muito rápida, faz-se importante compreender que o ICMS foi definido como um imposto que não pode ser cumulado nas diversas etapas do ciclo produtivo e comercial. Ou seja, a Constituição Federal não quer que o contribuinte pague “imposto sobre imposto”, e, por isso, permite que a contabilidade empresarial registre créditos pelas compras, que serão descontados dos débitos das vendas, logo se tendo como obrigação de pagamento ao fisco apenas o saldo.

Até aí, tudo certo. O problema é que a mesma Constituição Federal, olhando para o mercado exterior e o tamanho da carga fiscal do Brasil, isentou (conscious sic) o contribuinte do ICMS devido pelas vendas feitas em exportação. Isso faz com que o exportador registre os créditos pelas compras, mas não tenha débitos pelas vendas, gerando os temidos – pelas Fazendas Públicas – “saldos credores”.

Como não adiantava nada deixar os exportadores “cheios de saldo” de ICMS, o iluminado Antonio Kandir, ao construir a Lei Complementar que rege o ICMS de todo o Brasil, fez inserir o direito ao exportador de transferir estes valores acumulados às empresas terceiras geradoras de saldos a pagar, de modo a ressarcirem-se financeiramente. Por óbvio! Só sabendo que haveria um ressarcimento financeiro é que as empresas exportadoras efetivamente reduziriam o custo Brasil (ao menos relativo ao ICMS) de sua composição de preço para o mercado externo.

Esta determinação complementar fez insculpir nas normas do Estado do Paraná comandos para o seu cumprimento, chegando ao Regulamento do ICMS/PR o estabelecimento do SISCRED. Esta sigla nada mais é do que um sistema informatizado – aliás, muito bem construído – onde os exportadores habilitam seus saldos credores e disponibilizam seus valores para serem transferidos às empresas que geram débitos a pagar. Ou seja, uma espécie de vitrine de créditos. Tudo fica sob controle e fiscalização do fisco, como mesmo deve ser.

Dado à estabilidade da legislação e do sistema, muitos empresários adquirem saldos credores habilitados no SISCRED para serem utilizados por longos períodos, o que permite a eles obterem uma relevante economia tributária em função do deságio que recebem na compra do crédito junto aos exportadores.

O problema surge em função do seguinte nó górdio: as Fazendas Estaduais deveriam receber uma compensação financeira da União, segundo a mesma Lei Kandir, o que jamais ocorreu.

Assim, vendo-se o Estado do Paraná impotente para arguir junto à União o seu direito de recebimento, preferiu – como sói de acontecer – descontar sua defasagem financeira no (já surrado) empresário.

As Resoluções da SEFA de n. 773/2016 e 652/2017 determinaram limites nos seus respectivos anos para as transações via SISCRED. No atingimento de tal limite, o sistema simplesmente avisa que somente serão reabertas as transações no próximo ano-calendário, bloqueando a apropriação inclusive de quem já tenha adquirido e transferido formalmente os saldos credores dos exportadores.

Por sorte, ainda resta ao contribuinte que fez sua programação e adquiriu os créditos de ICMS via SISCRED a tutela jurisdicional. Não deve o empresário se acovardar diante de tamanha ilegalidade da Secretaria de Fazenda, mas sim buscar seus direitos de contribuinte e cidadão para requerer pela via mandamental o respeito às prescrições constitucionais e legais.

Já se tem notícia de decisões liminares proferidas no interior do Estado contra os delegados regionais. Estas decisões determinam a “reabertura judicial” do SISCRED e a desconsideração da arbitrária resolução.

Não foi a primeira e nem será a última vez que a administração tributária extrapola as fronteiras da legalidade. Só não pode o empresário já advertido de seu direito, adormecer em berço esplêndido, pois certamente o fisco não será omisso em sua próxima autuação. Cumpramos, pois, a profecia de Becker e Baleeiro, e façamos a nossa parte.

1 comment

  1. Daniel Carvalho - Responder

    Parabéns Doutor Paulo, de fato, essa briga (no bom sentido), não tem sido nada fácil, mas é extremamente importante que os contribuintes, estejam conscientes de que, em se aceitando tais atrocidades, estás só aumentarão!!!!

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