Decisões recentes acerca da (im)possibilidade de tributação do ganho de capital nas operações societárias de incorporação de ações

Por Carlos Henrique Vogelsanger

Advogado e membro da OAB/PR desde 2017

 

Superada a questão envolvendo a diferença dos institutos jurídicos da “Incorporação de Empresa” (artigo 227 da Lei nº 6.404/76[1]) e “Incorporação de Ações” (artigo 252 da Lei nº 6.404/76[2]), o tema acerca da eventual incidência de tributação sobre o ganho de capital nestas operações apresentou novos capítulos recentemente, em decorrência de decisões proferidas pelo CARF – Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e pelo Poder Judiciário.

 

O tema é recorrente em decisões administrativas e judiciais, envolvendo uma série de conceitos jurídicos, contábeis e entendimentos que convergem ora positivamente ora negativamente ao contribuinte.

 

Em decisão recente proferida pela 1ª Turma do CARF, foi mantida a cobrança de imposto de renda e contribuição social sobre os valores que a turma entendeu como “ganho de capital”. A decisão foi proferida pela maioria dos votos dos conselheiros, pelo placar de cinco contra três votos.

 

O cerne da questão diz respeito ao momento de incidência tributária em operações envolvendo a incorporação de ações. A Receita Federal adota o posicionamento de que na incorporação de ações, há a troca de titularidade das ações e, por tal razão, configura-se como uma forma de alienação, sendo devida, aos olhos do fisco, a cobrança de impostos sobre o acréscimo patrimonial/ganho de capital eventualmente configurado.

 

Sob o ponto de vista tributário, o posicionamento da Receita Federal encontra dificuldades em ser mantido, uma vez que carece de legalidade quanto à incidência tributária nos casos envolvendo a incorporação de ações. Isto porque atualmente não existe legislação vigente que caracterize a incorporação de ações como uma forma de alienação, sendo entendida como um evento societário no qual haverá a substituição de ativos, independentemente de seus valores econômicos, tratando-se, portanto, de uma sub-rogação real (ou objetiva). Neste caso o entendimento é de que não há incidência de tributação pelo ganho de capital na operação, uma vez que não existiu ato jurídico de alienação de patrimônio.

 

No mesmo sentido, foi proferido recentemente acórdão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, dispondo acerca dos limites da autoridade fazendária e normas contábeis em relação às regras jurídicas.

 

Os planejamentos societários e tributários apresentam elementos de matérias contábeis e jurídicas que se complementam entre si e dão suporte para as implementações necessárias.

 

Apesar da necessidade de observância, por parte do viés jurídico, das normas e princípios contábeis, há uma dicotomia entre o ambiente legal e o ambiente no qual as regras não são normatizadas, mas sim atribuídas ao desenvolvimento da profissão do contador. É evidente que no exercício da profissão do contador, este terá que se submeter às preleções da sua atividade e órgãos de classe, contudo, em uma situação fática de dissonância entre as normativas contábeis e jurídicas, prevalecerá acima disso, as normas jurídicas. Isto porque tratam-se de um ambiente no qual as normas são criadas, debatidas e colocadas em prática.

 

Além disso, o ambiente jurídico amolda-se à previsão coercitiva e normativa de comportamento, na medida em que é estabelecido em um universo do “dever ser”.

 

Analisando o chamado “propósito negocial”, presente praticamente na integralidade das discussões acerca do tema planejamento tributário, este não pode ser entendido como requisito de um planejamento tributário válido e legalmente aceito. Isto porque trata-se de uma construção doutrinária que, em determinados aspectos serve a Receita Federal, quando lhe é conveniente, para atribuir suspeição à planejamentos tributários. Além disso, não há como utilizar o propósito negocial em detrimento ao formalismo que faz parte do ambiente doutrinário (tipicidade cerrada) legal (princípio da legalidade restrita) do direito tributário.

 

Neste mesmo sentido, o acórdão do TRF4 acima referenciado dispôs o seguinte acerca da limitação ao exercício do fisco como órgão fiscalizador:

 

A interpretação fundada na substância econômica das operações de reorganização societária não autoriza que a autoridade administrativa transforme atos jurídicos perfeitos em imperfeitos na ótica exclusivamente tributária com o escopo de encaixá-los em uma tributação mais favorável aos interesses fazendários, violando a autonomia da vontade, a liberdade econômica, a proteção da confiança, a segurança jurídica e o princípio da legalidade.[3] (Grifo nosso).

 

Diante da necessidade de observar o formalismo e princípio da legalidade restrita, é outorgado ao Estado e à Administração Tributária, por consequência, o poder para validar e invalidar atos praticados, contudo, a estes não é permitida a criação de elementos que não estejam presentes na lei ou ainda criar interpretações acerca de determinados atos que cumprem requisitos para sua perfectibilidade jurídica.

[1] Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.

  • 3º Aprovados pela assembléia-geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.

[2] Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral das duas companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225.

[3] Processo nº 5058075-42.2017.4.04.7100, TRF 4ª Região.

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