DA APLICAÇÃO DA BUSINESS JUDGMENT RULE (BJR) PELA CVM NOS PROCESSOS BRASILEIROS

Por Karel Assef Sadila

Advogado

 

Da carência de ações de responsabilização que examinem os requisitos procedimentais necessários para apreciar a devida (ou não) responsabilização do administrador de companhia aberta, aliada a falta, ou ao menos a rasa jurisprudência apta para criar os padrões legais que influenciem futuras condutas e análises, por parte do poder judiciário ou do órgão regulador, abrem margem para imperfeições em apreciações pelas vias ordinárias.

 

Essa dificuldade em estabelecer paradigmas deve persistir por demasiado tempo, haja vista que a maior parte de conflitos envolvendo grandes operações empresariais, quando geram infortúnios, geralmente são solucionadas em vias arbitrais, tratando todo o procedimento em absoluto sigilo.

 

De qualquer forma, esta falta de exames e discreta aparição do Poder Judiciário, no Brasil, de certa forma vêm sendo compensada pelo órgão regulador, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

 

Em processos administrativos, a CVM faz recorrentes referências à BJR, se utilizando da doutrina norte-americana, muitas vezes de forma seletiva, com o objetivo de afastar a possibilidade de exclusão de responsabilidade.

 

Como uma das decisões paradigmáticas nesse sentido, tomada pela CVM, pode ser apontada a manifestação do Diretor Pedro Oliva Marcilio de Sousa. Nesta decisão foi apresentado o entendimento do órgão regulador, sobre a possibilidade de enunciação da BJR norte-americana, como subsídio, por conta da ausência de decisões e reflexões previamente realizadas pelo Poder Judiciário.

 

Este entendimento surge, pois, segundo entendimento da CVM, a construção jurisprudencial norte-americana, dos deveres de diligência, aqui regulados no artigo 153, LSA, não é divergente dos aplicados pelo órgão regulamentador, seguindo os mesmos padrões de exigência. Com isso, se gera a possibilidade de afastamento do parágrafo sexto, do artigo 159, da LSA.

 

Por conseguinte, nesse mesmo julgado, são apontados os paradigmas que devem ser alcançados e respeitados pelo administrador. Sem dúvidas a CVM se afasta do entendimento norte-americano, apesar de utilizá-lo como fundamentação. Isso fica evidente quando verificado o intuito de restrição da aplicabilidade da excludente de responsabilidade, abrindo caminho para a ação de reparação, por meio do entendimento do órgão sobre os deveres diligenciais do administrador.

 

Com o intuito de possibilitar que a situação fique menos abstrata, vale esmiuçar mais a matéria. Desta forma, no Leading Case da Caremark, foram definidos os critérios que são estabelecidos para que possa ser caracterizada a violação do dever de diligência.

 

No caso referido, existe um exemplo de ausência do dever de vigilância, neste julgado fica demonstrado que apenas um ato falho continuo pode ser estabelecido como ausência de boa-fé, a qual é requisito necessário para a possibilidade de aplicação da BJR. Entretanto, o que é verificado em análise dos julgados da CVM é um desprendimento da BJR utilizada pelo órgão regulamentador, para com a BJR norte-americana. Isto é, a CVM afasta a aplicabilidade da BJR mesmo em casos a boa-fé esteja presente, apontando que um ato falho singular já é suficiente para descaracterizar a probidade do administrador.

 

De qualquer maneira, resta evidente que a BJR, no Brasil, não gera obstáculos intransponíveis à responsabilização do agente. Por outro lado, quanto à aplicação do instituto pela CVM, é possível verificar que o entendimento, inclusive, se mante distante da norma norte-americana, haja vista que a boa-fé do administrador, não raras vezes, tem sido tratada como indiferente nas ações administrativas de reparação de danos e responsabilização dos agentes causadores.

 

Com isso, fica plausível o entendimento de que quando o órgão regulamentador utiliza da BJR à brasileira, faz isso de maneira retórica. Pois, indiscutivelmente não aplica aos moldes americanos. Isto ocorre visto que, em vez de seguir o que seria mais coerente, a CVM deixa de aplicar a norma brasileira de exclusão de responsabilidade, do parágrafo sexto, do artigo 159, da LSA, e importa de maneira deturpada o instituto norte-americano.

 

Assim, este transplante não ocorre de maneira perfeita, pois existem diferenças entre as legislações, o que gera a impossibilidade do procedimento, dos elementos e dos requisitos serem absolutamente equivalentes.

 

Em contraponto a isso, há de ser feita a análise dos julgados nos processos brasileiros.

 

O Poder Judiciário brasileiro tem pouquíssimos julgados que enfrentam a responsabilização de administradores de companhias, nos quais a BJR propriamente dita jamais fora aplicada. O que existe de mais próximo ao tema são algumas decisões sobre administradores que tenham descumprido com os deveres fiduciários.

 

Nestas referidas decisões, lamentavelmente o julgador não teve a devida capacidade de apreciar os ditames da normativa, e assim, desconsiderou os objetivos dos riscos tomados pelos agentes e, simplesmente, apontou soluções teratológicas, que segundo os julgadores, deveriam ter sido tomadas na ocasião.

 

Caso paradigmático que pode ser contemplado nesse entendimento, é a Apelação Cível número 7.460/2004, julgada pela 15° Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Neste caso exemplificador, o administrador foi condenado a repatriar mais de doze milhões de reais, que haviam sido desfalcados em operação financeira mal sucedida.

 

Fato complicador é, em análise do caso em tela, o julgador adentrou o mérito da decisão negocial, e deixou de se atentar a forma com a qual a decisão foi tomada. O administrador que gerou prejuízos à sociedade, nesse caso, evidentemente agiu dentro de seus deveres, e inequívoca prova da boa-fé do agente, foi este ter realizado a operação financeira também como pessoa física, ou seja, demonstrando que realmente acreditava estar fazendo um bom negócio. Entretanto, o juízo entendeu que a operação era arriscada demais e julgou como desrespeitosa aos interesses da sociedade. Assim, condenando o administrador a adimplir com os prejuízos e os eventuais juros que aqueles valores poderiam ter rendido.

 

Por fim, é necessário salientar que este julgamento não demonstra a face das ações de responsabilização de administradores que causaram danos às companhias, no Brasil. Em geral, essas situações sequer são analisadas.

 

Logo, pode ser considerado extremista a perspectiva de que o entendimento brasileiro sobre a responsabilização dos agentes seja mais rigoroso do que o americano, pois, existem diversos outros aspectos que orbitam a responsabilização como um todo. Contudo, há de ser visto que a responsabilização ocorre de maneira mais efetiva em vias administrativas, quando comparada ao Poder Judiciário.

 

Isto significa que, por um lado a responsabilização por vias administrativas é interessante, pois ocorre de maneira mais frequente. Entretanto, em caso de efetiva responsabilização, as penalidades são extremamente menores do que se ocorresse pela responsabilidade civil, haja vista que a responsabilização aplicada pela CVM não está comunicada diretamente com a extensão do dano.

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