A RECEPÇÃO DAS REGRAS DA BUSINESS JUDGMENT RULE NO DIREITO BRASILEIRO

Por Karel Assef Sadila

Advogado

 

O instituto da Business Judgment Rule (BJR) vem sendo aplicado há muitos anos nos Estados Unidos, e assim, paulatinamente sua grande relevância foi sendo explicitada. Dessa forma, ficou evidente a necessidade de implantação do instituto no Direito brasileiro.

 

Com isso, surgiu uma grande dificuldade. O instituto é oriundo da jurisprudência norte-americana, na qual foi se desenvolvendo ao longo dos anos. Portanto, há de se compreender que a implementação de um instituto tão rico e complexo é uma tarefa bastante árdua, haja vista que o desenvolvimento levou demasiado tempo para alcançar tal patamar.

 

Desta forma, surge à problemática. A inserção direta ao Direito pátrio ocorreu de maneira brusca, não exaurindo todas as discussões que são necessárias para tal. Logo, partes da principiologia fundante, bem como parte das teorias que orbitam o instituto foram deixadas para trás, sem que pudessem ser analisadas. Situação que até o presente momento geram um grande risco de incompreensões e mal entendimentos da norma e de suas funções.

 

Segundo Modesto Carvalhosa, à época da origem da LSA, o diploma legal merece críticas, pois propositalmente restringe a possibilidade de responsabilização de administradores que geram danos às companhias. Como exemplo disso, a necessidade de quórum mínimo de 5% do capital social, para que possa ser proposta a ação de responsabilização, isso ainda condicionado à prévia deliberação da AG.

 

Em paralelo a isso, surge o parágrafo sexto, do artigo 159, da LSA. Segundo o entendimento dominante sobre o instituto, essa normativa configuraria o transplante da BJR para o Direito brasileiro.

 

Vale também salientar que em contraponto ao entendimento dominante, o único autor renomado que aponta uma forma de interpretação diferente para o parágrafo sexto do referido artigo, é o jurista Marcelo Vieira Von Adamek. Segundo o autor, a norma trazida pelo instituto não é referente à BJR, pois, não se trata de norma de exclusão, apenas uma causa de justificação, referende a um perdão judicial, àquele administrador que causou danos à companhia.

 

De qualquer maneira, por mais que o entendimento majoritário acorde que o regulamento é uma aparição da BJR no Direito brasileiro, a doutrina expõe que existem grandes distorções entre a regulação na normativa pátria para com a BJR original, aplicada no Direito norte-americano.

 

Primeiramente, as diferenças surgem quanto a maneira com a qual a norma surge. Como supramencionado, no Direito norte-americano a BJR se origina da jurisprudência, já no Brasil, o regramento é oriundo de ato legislativo, o que gera demasiada diferença procedimental.

 

Nesse sentido, a segunda diferença que deve ser demonstrada, é quanto aos poderes que o juiz detém, ou não, para excluir o dever de indenizar do administrador. A BJR gera a presunção de que a conduta do administrador teria sido tomada de boa-fé, efeito o qual só pode ser interrompido no caso de demonstração de ferimento aos deveres fiduciários. Por outro lado, no instituto brasileiro são conferidos amplos poderes ao juiz, para que ele exclua ou deixe de excluir o dever de indenizar do administrador.

 

Nesse mesmo sentido, a BJR fica obstada a eximir de responsabilidade aquele agente que tomou uma conduta de boa-fé, mas mesmo assim gerou um ônus para a companhia. No caso da regulamentação brasileira, o instituto é mais amplo, podendo em sua literalidade, ser compreendido que é possível isentar o agente que gerou danos.

 

Por fim, é essencial que sejam demonstradas as diferenças quanto ao procedimento, os elementos e os efeitos da normativa nacional para com a BJR.

 

Como ilustrado anteriormente, existem grandes diferenças procedimentais entre as normas. Quando aplicada a BJR, como efeito, é gerada uma presunção de que o administrador agiu em conformidade com os deveres fiduciários, no momento em que tomou partida à conduta onerosa. Assim, por força da BJR, o administrador fica protegido de responder por eventuais ações de responsabilização.

 

Tal proteção apenas pode ser descartada quando forem apresentados fatos conclusivos, que demonstrem a culpa ou o dolo do agente, que tenha ferido algum dos deveres fiduciários. Isso ocorre preliminarmente à análise de mérito, e apenas em caso de restarem dúvidas, a ação não é arquivada. Entretanto, caso existam dúvidas sobre a conduta do administrador, a ação é recebida e se abre a oportunidade para que seja demonstrada a atuação inesperada do administrador. Apenas em caso de demonstrado que o agente agiu negligentemente, com interesses em descompasso com o esperado, ou então se violado propositalmente algum dos deveres, só assim o administrador fica vulnerável ao procedimento de responsabilização.

 

No Direito brasileiro, não existe procedimento equivalente a esse, por questões meramente processuais. As preliminares e a forma com que é trabalhado o ônus da prova são absolutamente distintos, pois, observadas as peculiaridades da inicial, a ação é recebida e vai existir o exame de mérito, independentemente da alocação do ônus probatório.

 

Desta forma, no início da ação, não existe tamanha proteção para o administrador, tendo esse que, em fase de contestação, juntar conteúdo probatório e demonstrar que os fatos alegados, os quais podem afastar a presença do instituto que exclui a responsabilidade, seriam inverídicos.

 

Com isso, fica evidente que o agente tem de convencer o juiz de que agiu de maneira proba, sem ter quaisquer presunções a seu favor. Logo, resta claro que a diferença procedimental é vasta, haja vista que a presença da BJR tem como efeito uma presunção favorável ao administrador. Em absoluto descompasso ao que é tido no Brasil, com o administrador tendo de juntar conteúdo probatório desde o início da ação de responsabilização.

 

Por outro lado, quanto aos elementos e requisitos, existe uma proximidade muito maior dentre os institutos. O desinteresse, a independência e a boa-fé, somados as exigências de uma conduta diligente, conferem ao agente a proteção apresentada pela BJR. Da mesma maneira ocorre com o instituto trazido pela LSA, que privilegia o agente probo, exigindo os mesmos elementos, para um mesmo grau de satisfação.

 

Não obstante a isso, é necessário salientar que independentemente de os elementos e a identidade das normas se colidam, os conteúdos variam de uma para a outra.

 

Primeiramente, a BJR fica limitada a decisões com objetivos negociais, portanto, qualquer conduta que não se limite a isso e gere prejuízos à sociedade, não pode ser protegida pela BJR, deixando o agente passível de responsabilização. Por sua vez, o regramento brasileiro não se obsta a isso, em simples leitura do artigo 159 da LSA, fica evidente que se trata de ato de gestão, por questões lógicas a exclusão da responsabilidade também trata disso. Com isso, a exclusão de responsabilidade não fica limitada apenas a decisões negociais, mas sim a atos de gestão como um todo, de maneira ampla.

 

Por conseguinte, existe mais um elemento que se diferencia dentre estes institutos, sendo estes os elementos da diligência e da boa-fé.

 

No entendimento norte-americano, a diligência interna à BJR faz referência a negligencia grave, ou seja, fica afastado o instituto a partir do momento que comprovado que o agente tomou a conduta de maneira imprudente, indiferente ou em deliberado desrespeito para com os acionistas. Já no entendimento brasileiro, não é possível vislumbrar tamanha especialidade, bastando que o administrador tenha agido de maneira cuidadosa como a qual qualquer outro administrador procederia.

 

Já quanto à boa-fé, nos Estados Unidos é entendimento consolidado de que o administrador não pode ter ferido algum dos deveres, nem ter gerado os prejuízos de maneira intencional. Por outro lado, no Brasil, o padrão de conduta exige a boa-fé objetiva, muito mais próximo dos deveres de diligência.

 

Isto tudo quer dizer que, em síntese, ambos os institutos tem o mesmo objeto, dispensar a responsabilização do administrador que agiu conforme os deveres a ele impostos, mas mesmo assim causou danos a companhia que administra. Não obstante façam isso de maneiras desparelhas.

 

A regra americana, vistos os elementos, produz em seus efeitos a presunção de um administrador que não foi o responsável pelas perdas, por isso não existe revisão judicial. Já no Brasil, a norma cria uma excludente de responsabilidade, ou seja, o administrador é considerado culpado pelas perdas, entretanto, por ter agido conforme o esperado, cumprindo os requisitos apresentados, bem como agido diligentemente, fica afastada a possibilidade de responsabilização.

 

Com isso, fica claro que ambas servem para valorizar os atos de gestão, frente à revisão judicial, bem como para isentar o administrador probo e de boa-fé que gerou prejuízos à companhia. Com a diferença de que normativa brasileira afasta a ilicitude do ato, já a BJR americana, como efeito, presume a licitude.

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