Da Neutralidade Fiscal e o Carf: Um Passo (Para Trás)

por Gabriel Luis Marcon Bark

Advogado, pós graduando em Direito Aduaneiro e Tributário pela PUC-MG, bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade Positivo.

 

Em outro artigo, falou-se sobre a ideia de neutralidade fiscal, que pode ser resumida como aquela que separa os conceitos Fiscais dos conceitos contábeis, assegurando que de um lado as normas de direito tributário não se dobram aos conceitos das ciências contábeis, e de outro, que as normas fiscais não devem influenciar na liberdade econômica.

 

Poupando o leitor da repetição do que se disse no sobredito artigo anterior, o propósito deste comentário é trazer à luz da ideia de neutralidade fiscal um recente julgado do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que pareceu dar um passo para trás na incorporação da concepção.

 

A dizer, se no primeiro artigo expuseram-se entendimentos administrativos que se apropriam da noção, ao julgar o acórdão 9303-006.233, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), parte da estrutura interna do CARF, pareceu dizer que na operação analisada no julgamento, importava mais a classificação contábil dada pelo contribuinte.

 

Curta síntese, o ponto debatido no acórdão enumerado acima consistia em determinar se, tratando-se de contribuinte que detinha investimentos em ações, estas declaradas em ativo não circulante[1], a sua recaracterização para ativo circulante e posterior venda não faria incidir na operação a COFINS e o PIS.

 

A dizer: o Fisco Federal entendia que ao caracterizar o ativo para aquele conjunto de bens que compõem a geração de capital em curto período, a venda dessas ações geraria receita operacional[2], de modo que sujeita aos tributos acima descritos. O contribuinte sustentava diversamente: a simples reclassificação não serviria a descaracterizar a natureza do ativo, que seria de não circulante, logo, sua alienação não geraria receita operacional.

 

Conforme pontuado no acórdão, em voto vencido, a argumentação do contribuinte seria plausível à luz do Regulamento do Imposto de Renda vigente à época (Decreto nº. 3000/1999), posto que conforme disposição do art. 774, o ativo havia permanecido na empresa até o fim do ano seguinte à sua aquisição.

 

No entanto, ao revés do acolhimento da razão vencida, o CARF entendeu exatamente pelo oposto: prevaleceria nesta operação a reclassificação promovida pelo contribuinte, em sentido a mitigar a expressa previsão legal.

 

A dizer, então, a ideia de neutralidade fiscal não foi integralmente atendida. Por sua vez, é digno notar que a própria administração fazendária, em um parecer de 1980 (Parecer Normativo CST nº. 03/1980) havia sinalizado que no conflito entre o revestimento conferido pelo contribuinte e o revestimento impingido pela lei, a administração se vincula ao que preconiza a lei em matéria fiscal.

 

Evidentemente, o caso não simboliza uma retroação no entendimento e o afastamento completo da neutralidade fiscal, já que aparenta ser uma decisão isolada.

 

Inobstante, não deixa de registrar o assunto um alerta quanto aos cuidados necessários na esfera tributária, que exige constante reflexão e suporte nas garantias e limitações mais básicas.

 

[1] Em oposição à ideia de ativo circulante, que é aquele que pode ser convertido em pecúnia em curto período, diz o não circulante respeito ao bem que integra o patrimônio da empresa em caráter duradouro.

[2] Receita que uma empresa obtém a partir da exploração de sua atividade principal.

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