Análise do Regime Jurídico Emergencial e transitório das relações Jurídicas de Direito Privado – Lei 14.010/2020

Caroline Zoghbi Polonio

OAB/PR 100.131

 

No dia 12 de junho de 2020 foi publicada a Lei 14.010 de 10 de junho de 2020, a qual dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).

Esta Lei instituiu algumas normas, de caráter transitório e emergencial, com a finalidade de regular as relações jurídicas de direito privado em virtude da pandemia (Covid-19). A seguir passaremos a ver quais as principais mudanças introduzidas por esse Lei nas relações jurídicas e no ordenamento jurídico Brasileiro.

O primeiro ponto que precisamos nos atentar é com relação ao artigo 2º da referida lei, uma vez que ele estabelece que a Lei 14.010/2020 não visa modificar ou revogar nenhum dispositivo do Código Civil, tampouco de outra Lei, mas tão somente suspender normas que se mostrem incompatíveis com a situação emergencial, excepcional, de turbulência social, econômica e pessoal causada pela coronavírus (Covid-19).

O parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 14.010/2020, estipula uma data como sendo o termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus, essa data é o dia 20 de março de 2020, data em que foi publicado o Decreto Legislativo nº 06, o qual reconheceu o estado de calamidade pública no Brasil.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Carlos Eduardo Oliveira, [1] no artigo “ Comentários à Lei da Pandemia (Lei 14.040/2020), as relações jurídicas afetadas pela pandemia com data anterior a 20 de março de 2020, data estipulado pela Lei 14.010/2020, podem se submeter a revisões contratuais com base nas normas e princípios gerais do Direito Civil.

Uma vez que, segundo os referidos autores, a Lei da pandemia visa, em muitos dispositivos, positivar e dar clareza à regras que poderiam ser alcançadas por meio da aplicação, ao caso concreto, de normas e princípios gerais do Direito Civil.

 

A lei 14.010/2020 também trouxe algumas regulamentações com relação a prescrição e decadência. O artigo diz da lei diz o seguinte:

Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.

 

  • 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.

 

Isso significa que os prazos prescricionais para ajuizamento de demandas judiciais estão impedidos (o prazo prescricional nem começou a fluir) ou suspensos (o prazo já estava em curso, mas foi paralisado) a partir da vigência da Lei 14.010/2020 até a data de 30 de outubro de 2020.

Tal dispositivo foi pensado de modo a resguardar os interesses dos credores em geral, uma vez que a pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) gerou inúmeras dificuldades, tendo afetado o funcionamento dos órgãos públicos, do exercício da advocacia no geral e até mesmo da adoção de providencias para viabilizar o ajuizamento de uma ação judicial, tais como, reunir documentação, contratar profissionais (advogados, peritos, etc) e obter informações mais precisas do caso.

Apesar da tecnologia ter sido um grande aliado do poder judiciário e do exercício da advocacia neste período de pandemia, sabemos que o acesso às ferramentas tecnológicas ainda não é uma realidade palpável para todos os brasileiros, além disso, a depender das medidas restritivas de circulação de pessoas impostas pelo Poder Público, em diferentes regiões do Brasil, tais medidas poderão sim ser um justo motivo para impedir o ajuizamento de uma ação.

Vale ressaltar que a regra de suspensão e de impedimento dos prazos prescricionais trazida pelo artigo 3º da Lei 14.010/2020 tem caráter supletivo ou subsidiário, isso significa que, se já existe uma previsão legal específica acerca de uma causa de impedimento, suspensão ou interrupção de um prazo prescricional esta regra deverá prevalecer em razão regra prevista na Lei 14.010/2020.

É o que ocorre no seguinte exemplo trazido por Pablo Stolze Gagliano e Carlos Eduardo Oliveira. Se já existe um prazo prescricional que não está correndo contra um credor, por exemplo, no caso de credor ausente do Brasil a serviço da União (art. 198IICC), sem previsão do retorno, a regra constante no art. 3º, da Lei 14.010/2020 (no sentido da paralisação do prazo até 30 de outubro de 2020) não se aplica, devendo ser mantida a regra anterior que estipula que não corre prescrição contra os ausentes do país em serviço da União, dos Estado ou dos Municípios.

Além de estarem suspensos e impedidos os prazos prescricionais, a lei também estipula que essas regras se aplicam a decadência, ou seja, os prazos decadências para se exercer o direito potestativo de reclamar em juízo também estão impedidos ou suspensos.

Com relação as pessoas jurídicas de direito privado, a Lei 14.010/2020 dispõe em seu artigo 5º que a assembleia geral, inclusive para os fins de alterações no estatuto social e para destituição de administradores, poderá ser realizada por meios eletrônicos, ainda que não haja essa previsão nos estatutos sócias.

Além disso, a manifestação dos participantes da assembleia geral (acionistas, Diretores-presidentes, Diretores vice-presidente, etc) poderá ocorrer por qualquer meio virtual indicado pelo administrador, desde que assegure a identificação do participante e a segurança do voto.

Com relação as relações de consumo, o artigo 8º da Lei da pandemia dispõe acerca da suspensão da aplicação do artigo 49 do CDC[2], ou seja, do direito de arrependimento, para o casos de entrega domiciliar de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos.

O direito de arrependimento tem como fundamento o fato de que nos contratos a distância, ou pela internet, o consumidor não vê o produto, nem as amostras do serviço contrato e também não conta com um auxílio técnico ou sequer teve acesso a toda as informações do produto, em virtude disso, é assegurado ao consumidor um prazo de 07 dias, contados da data de assinatura do contrato, ou do recebimento do produto ou serviço, desistir do contrato e receber integralmente todos os valores já pagos.

Em decorrência da imposição de medidas restritivas à circulação de pessoas, em virtude da pandemia do coronavírus, bem como do fechamento dos restaurantes, lanchonetes e do comércio em geral, houve um aumento considerável do serviço de delivery, principalmente com relação ao ramo alimentício.

Em virtude disso, como forma de conferir segurança jurídica aos fornecedores, o artigo 8º, da Lei 14.010/2020, suspendeu o exercício do direito de arrependimento para dois tipos de produtos essenciais: os bens perecíveis ou de consumo imediato, como os pedidos de comida via delivery e os medicamentos.

Isso significa que até 30 de outubro de 2020 o consumidor não pode recusar, imotivadamente, tampouco solicitar a devolução do seu dinheiro no caso de contratação de bens perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos, via delivery.

A Lei 14.040/2020, em seu artigo 10º também prevê a suspensão dos prazos de aquisição para a propriedade mobiliaria e imobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da vigência da referida Lei até 30 de outubro de 2020. A ideia aplicada aqui é a mesma aplicada a suspensão e impedimento dos prazos prescricionais: “contra non valentem agere non currit praescriptio”.

Assim como foi possibilitado a realização das assembleias gerais das Pessoas jurídica, de forma virtual, também o foi com relação as assembleias condominiais, é o que se extrai do artigo 12 da Lei da RJTE, o qual prevê a possibilidade das assembleias condominiais serem realizadas de forma virtual.  Além disso, não na impossibilidade de realização da assembleia a lei permite a prorrogação do mandato dos síndicos que venceram a partir de 20 de março até 30 de outro de 2020.

Com relação ao direito das famílias e sucessões a Lei da RJTE estipula, em seu artigo 15º, que enquanto vigorar o regime jurídico emergencial (30 de outubro de 2020) a prisão civil por dívida alimentícia (art. 528, §3º, CPC) deverá ser cumprida exclusivamente na modalidade domiciliar.

O artigo 611, do Código de Processo Civil, estipula o prazo de 02 meses, para abertura do processo de inventário e partilha, a contar da data da abertura da sucessão (morte), porém, conforme artigo 16 da Lei do RJET, determina que as sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terão seu termo inicial prorrogado para 30 de outubro de 2020.

Além disso, o prazo de 12 meses também previsto pelo artigo 611, do CPC, para término do processo inventário e de partilha, caso tenha sido iniciado antes de 10 de fevereiro ficará suspenso até 30 de outubro de 2020.

Estes foram os principais comentários realizados frente a todas alterações inseridas nas relações jurídica de Direito Privado, por meio da Lei 14.010/2020, a qual dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).

 

[1] https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/859582362/comentarios-a-lei-da-pandemia-lei-14010-2020

[2]  Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

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