A Responsabilização do Administrador de S.A. e a Teoria Ultra Vires

Por Karel Assef Sadila

Advogado

 

No Brasil, temos como modelo societário adequado para investimentos de grande porte, a figura da Sociedade Anônima (SA). Tal formato societário é interessante para os investidores, pois limita a responsabilidade destes agentes ao valor de emissão das ações adquiridas.

 

Assim como em outros modelos societários, os investidores de SA, ao buscarem a ampliação de seu patrimônio por meio dos investimentos no setor privado, adquirem com isso, o risco inerente à atividade empresarial.

 

Entretanto, o risco de um insucesso de uma SA não fica obstado a seus investidores, mas sim a comunidade como um todo. Haja vista que a derrocada de uma sociedade empresarial desse porte pode não apenas ter reflexos internos, mas porta potencial lesivo a economia de um país.

 

Esse entendimento fica mais claro quando analisado o aporte financeiro que companhias desse porte obtêm. Dessa forma, resta evidente que além dos investidores que foram convencidos a empregar seu capital, existem ainda os valores subsidiados pelo Estado, bem como fornecido por instituições financeiras.

 

Assim, é indubitável a ideia de que se faz necessária forte regulamentação, para que os investimentos de terceiros alheios à SA fiquem devidamente protegidos.

 

A norma que regula a responsabilização dos administradores de SA é o artigo 158, da LSA. O qual em seus incisos I e II demonstram quais as possibilidades de afastamento da proteção patrimonial que o administrador detém, isto é, em quais situações existe a possibilidade de responsabilização deste agente.

 

Porém, a forma como institutos mencionados foram redigidos pelo legislador brasileiro, fez com que a doutrina se dividisse quanto ao entendimento de qual seria a forma de responsabilização do administrador, ou seja, qual sistema de responsabilização civil deve ser entendido como o adequado para enfrentar o administrador que descumpre com seus deveres frente à sociedade.

 

O inciso I, que trabalha a possibilidade da responsabilização do administrador que gera prejuízos por culpa ou dolo, é bastante claro quanto a isso, pois como nessa forma de conduta do agente, indiscutivelmente trata-se de responsabilização civil subjetiva clássica.

 

Por outro lado, o inciso II, o qual aponta que deve haver responsabilização do administrador que gera prejuízos a companhia por desrespeito da lei ou do estatuto, gera grandes desentendimentos quanto à forma com que o desrespeito deve ser apurado. O regramento se refere a prejuízos causados à sociedade, entretanto não evidencia qual a maneira correta de analisar a responsabilização do agente infrator.

 

Outro ponto relevante que, segundo Rubens Requião, deve ser analisado, é referente à norma buscar a proteção dos acionistas minoritários, e por isso receber tão árdua regulamentação. Segundo o autor, o objetivo é de evitar que o administrador usurpe os limites do objeto social da companhia. Concluindo, nesse sentido, uma referência direta à teoria ultra vires.

 

A teoria ultra vires, de origem anglo-saxã, propõe uma notória segurança aos acionistas minoritários, pois com esse instituto, a sociedade fica isenta de responsabilidade perante terceiros, quando os atos do administrador tenham extrapolado os limites sociais da companhia. Por óbvio a teoria limita exceção para quando a sociedade tenha se beneficiado do ato, de qualquer maneira gera uma grande vantagem aos acionistas, que assim, tem seu patrimônio preservado de possíveis abusos dos administradores.

 

Com isso, fica limitada a atuação do administrador, que deve agir invariavelmente dentro do objeto social da companhia, zelando pela cláusula de objetivos. Cláusula essa, que determina a área de atuação da sociedade, bem como estabelece e restringe limites ao poder discricionário do administrador.

 

É inquestionável o valor da proteção aos acionistas que esta importada norma garante, porém, há de ser analisada a tamanha importância que é dada, como consequência, para o objeto social da companhia.

 

A jurisprudência norte-americana tem como entendimento a limitação da teoria ultra vires, na qual o instituto deve ser reconhecido e ratificado pela Assembleia Geral (AG). Outro ponto de limitação implicado pela jurisprudência americana é percebido no entendimento de que a simples usurpação da função não pode gerar responsabilização do administrador, no caso da conduta não causar danos materiais à companhia. Diferentemente do entendimento brasileiro, sobre a regulamentação pátria, que entende que o agente pode ser responsabilizado, em caso de gerar prejuízos, por exemplo, a imagem da companhia.

 

Outro ponto que gera deveras desconfianças sobre a forma com que é realizada a responsabilização dos agentes, é salientado por Modesto Carvalhosa  . Por mais que, por um lado a legislação favoreça os acionistas, de outro modo a regra de responsabilização se torna extremamente branda quanto a possível punição do administrador que de fato tenha desrespeitado os deveres para com a sociedade.

 

Na LSA, ficaram completamente excluídas, as possibilidades de responsabilização penal do administrador que age de maneira abusiva. Assim sendo, a devida compensação por parte do administrador, beira a impossibilidade. Em razão de que, não se faz possível a imputação de retaliações penais. Dessa forma, o simples temor da responsabilização civil, poucas vezes será suficiente para impedir o administrador de má-fé a tomar a conduta inesperada, haja vista que são raros os patrimônios pessoais capazes de repatriar em absoluta integralidade, o potencial dano que pode ser causado.

 

Por fim, resta evidente que aquele administrador que atua de maneira negligente, imperita ou imprudente, desrespeitando os deveres para com a sociedade e, portanto, causa prejuízos à sociedade, bem como o administrador que dolosamente prejudica o acionista, ultrapassando as barreiras do seu limite de sua atuação, seja em prol de seu benefício ou de terceiros, estará sujeito à ação de responsabilização.

 

Assim, resta necessário que seja analisada a questão da espécie de responsabilização civil exigida pelo inciso II, do artigo 158 da LSA.

 

Nesse sentido, vale adiantar que grande parte da doutrina brasileira entende que a responsabilidade do administrador deve ser verificada como civil subjetiva com inversão do ônus da prova, o que imputa uma pressuposição de culpa ao administrador. Isto é, atribui à responsabilidade de antemão, em caso de uma conduta do administrador conter nexo de causalidade com um fato danoso à sociedade. Com isso, teria este agente, de forma presumida, agido com culpa.

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