Por Maxwell Lima Dias,
Advogado e membro da OAB/PR desde 2016.
Século XXI, o ano é 2018: As startups parecem ter tomado lugar cativo no mercado empresarial, que até então, era dominado pelas grandes empresas. Nos dias de hoje, cada vez mais, ouvimos pessoas falando sobre “startups”, que hoje já pode ser considerado um fenômeno mundial. Há quem prefira o termo “febre das startups”. Independente de como você prefira chamar este crescimento desvairado de ‘empresas embrionárias’, não restam dúvidas que estas vieram para ficar.
Uma startup é uma empresa nova, até mesmo embrionária ou ainda em fase de constituição, que conta com projetos promissores, ligados à pesquisa, investigação e desenvolvimento de ideias inovadoras. Por ser jovem e estar implantando uma ideia no mercado, outra característica das startups é a existência de risco envolvido no negócio. Mas, apesar disso, são empreendimentos com pequeno investimento inicial de capital e baixo custo operacional, e possuem uma expectativa de crescimento muito grande quando dão certo.
Por outro lado, a realidade dos negócios embrionários mostra que “só” uma boa ideia, aliada a um conjunto de habilidades ou técnicas, quase nunca é o suficiente para se estabelecer, se consolidar e crescer no mercado. São necessários capitais, profissionais capacitados, investimentos em máquinas, sistemas e outros bens considerados indispensáveis à atividade. E, geralmente, os sócios fundadores, idealizadores daquele negócio, não dispõem de todo esse aparato no momento inicial.
É aí, então, que entra a figura do investidor, geralmente fundos de investimentos, como os de venture capital e private equity. Acontece que, conseguir convencer um investidor a investir no seu negócio, na sua ideia, não é algo tão simples. Isto porque, além de ter de conquistar o investidor com a sua ideia, a principal dificuldade do novo empresário é chegar a um consenso sobre quanto vale o investimento.
Além disso, há ainda os consideráveis riscos inerentes ao investimento, uma vez que a relação entre investidor e investido é baseada no vínculo societário: Troca-se aporte financeiro por um percentual da sociedade.
Citamos os seguintes riscos: (a) ser sócio significa participar tanto dos lucros, quanto dos prejuízos; (b) a perspectiva de rentabilidade futura, na qual se baseia o cálculo do valor do investimento, é, como o próprio termo sugere, uma expectativa, que pode ou não se concretizar; e, por fim, (c) esse tipo de investimento tem como pressuposto básico a aquisição de quotas ou ações para venda após sua valorização, e essa venda a terceiros também depende de várias condicionantes, futuras e incertas.
Assim, visando simplificar esta relação jurídica nestas empresas embrionárias, e reduzir os riscos inerente ao investimento, a Lei Complementar nº 155/2016, ao prescrever alterações à Lei Complementar nº 123/2006 (Lei das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), criou a figura do “Investidor Anjo”.
Conforme explicamos em artigo publicado em nosso blog[1], em 09.07.2018, o investimento-anjo não se confunde mais com a participação societária, uma vez que o Investidor Anjo não necessariamente se torna sócio da empresa na qual está investindo.
Em relação à remuneração do investimento, conforme dispõe o art. 61-A, §4º, III, da LC 126/2003, o Investidor Anjo será remunerado pelos seus aportes, nos termos do contrato de participações, pelo prazo máximo de 05 (cinco) anos.
A partir do aporte de recursos, o rendimento poderá ser auferido de três formas: (a) participação nos resultados, limitada a 50% do lucro apurado pela empresa no período; (b) resgate do valor aportado, devidamente corrigido, após prazo mínimo de 2 anos da data do investimento; e (c) transferência da titularidade do aporte.
Em caso de transferência de titularidade do aporte dependerá do consentimento dos sócios da investida, salvo estipulação contratual expressa em contrário.
No entanto, com o objetivo de regular a tributação dos rendimentos do Investidor Anjo, recentemente, em 21.07.2017, foi instituída pela Receita Federal do Brasil a Instrução Normativa nº 1.719, a qual prevê a (desestimulante) incidência do Imposto de Renda calculados a partir da aplicação de alíquotas regressivas em função da duração do contrato de participação:
Art. 5º Os rendimentos decorrentes de aportes de capital efetuados na forma prevista nesta Instrução Normativa sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda retido na fonte, calculado mediante a aplicação das seguintes alíquotas:
I – 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em contratos de participação com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias;
II – 20% (vinte por cento), em contratos de participação com prazo de 181 (cento e oitenta e um) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias;
III – 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em contratos de participação com prazo de 361 (trezentos e sessenta e um) dias até 720 (setecentos e vinte) dias;
IV – 15% (quinze por cento), em contratos de participação com prazo superior a 720 (setecentos e vinte) dias.
Trata-se, pois, de tributação extrafiscal, em que pretende o Ente Tributante, por meio de alíquotas regressivas, “estimular”, por um lado, os aportes investidos nas startups e empresas embrionárias a longo prazo, e desestimulando, por outro, os investimentos realizados a curto prazo.
De acordo com o §1º do dispositivo supracitado, a base de cálculo do imposto corresponde à diferença positiva entre o valor do resgate e o valor do aporte de capital efetuado.
Nos casos de participação nos resultados e de correção no resgate, o imposto de renda deverá ser retido na fonte, pela própria investida.
Quando o investidor anjo for pessoa física, pessoa jurídica isenta ou optante pelo Simples Nacional, o imposto retido na fonte será considerado definitivo, enquanto, nos casos de pessoa jurídica optante pelo lucro real, presumido ou arbitrado, o imposto retido na fonte será considerado antecipação, razão pela qual esses rendimentos irão compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Os fundos de investimento que estiverem na posição de investidor-anjo não sofrem retenção.
Em caso de alienação do aporte a terceiro, sendo o investidor anjo pessoa física, pessoa jurídica isenta ou optante pelo Simples Nacional, a diferença positiva entre o valor de alienação e o valor do investimento estará sujeita à incidência do Imposto de Renda, mediante a aplicação das alíquotas regressivas supracitadas.
Em se tratando o investidor anjo de Pessoa Jurídica optante pelo lucro presumido, lucro real ou lucro arbitrado, o ganho apurado pela diferença positiva entre o valor de alienação e o valor do aporte comporá receita da empresa, estando sujeito à incidência do IRPJ e CSLL.
Cumpre salientar, ainda, que, para fins de enquadramento da sociedade como microempresa ou empresa de pequeno porte, o valor do capital aportado pelo Investidor Anjo não será computado como receitas da sociedade.
Diante disso, é possível constatar que a tributação dos rendimentos auferidos pelo Investidor Anjo, prevista na IN nº 1.719/2017 da Receita Federal do Brasil, não traz qualquer vantagem ao investidor.
Conforme determina a Constituição Federal, caberá à Lei Complementar definir “tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas (ME) e para as empresas de pequeno porte (EPP)” (CF, art. 146, III, d), de modo a “incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei” (CF, art. 179), em observância ao “tratamento diferenciado para as empresas de pequeno porte” (CF, art. 170, IX) e à “livre concorrência” (CF, art. 170, IV).
A Lei Complementar nº 155/2016, por sua vez, definiu que as ME’s e as EPP’s poderiam admitir aporte de capital por investidor-anjo, a fim de “incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos” (LC 155/2016, art. 61-A, caput).
Acontece que, a IN nº 1.719/2017, ao instituir a incidência do IR sobre os rendimentos auferidos pelo Investidor Anjo, não previu qualquer vantagem ao investidor que pudesse incentivar o investimento às empresas embrionárias e startups.
Vê-se, portanto, a potencial ineficácia da norma instituída pela Fazenda Nacional em garantir um cenário mais vantajoso ao Investidor Anjo, em relação à tributação a que está sujeita o seu aporte de capital.
É a sanha arrecadatória do Estado-Fisco, que onera abusivamente o contribuinte a ponto de criar um desestímulo ao investimento em empresas embrionárias e startups em nosso país.
Para mais informações, acesse: http://basda.blog.br/.
[1] Disponível em: http://basda.blog.br/investidor-anjo-e-as-novas-disposicoes-legais/;