por Gabriel Luis Marcon Bark
Advogado, pós graduando em Direito Aduaneiro e Tributário pela PUC-MG, bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade Positivo.
No mundo empresarial, é sabido que periodicamente – mensal, trimestral ou anualmente – são necessários ajustes com o Fisco, a fim de que se apurem tributos a pagar ou restituir, via de regra, tudo em conformidade com a legislação tributária, normativas e entendimentos administrativos, objetos de constante e necessária atualização, a exemplo do que ocorre com as Consultas de Solução Tributárias (COSIT) que vinculam a Receita Federal do Brasil em âmbito administrativo.
Neste momento, então, é comum que além de contar com opiniões legais a respeito do que se disse acima, as empresas se firmem em seus registros contábeis, tais quais demonstrativos, notas explicativas, balanços, balancetes, demonstrativos de fluxo diário, dentre outros, a fim de conferir maior confiabilidade ao que se informa e ao que se paga.
Assim, de forma ilustrativa, a apuração de PIS e COFINS em regime cumulativo (chamada “incidência em cascata”, em que não se abate o valor do imposto calculado na fase anterior), leva em consideração as disposições da Lei nº. 9.718/1998 e a ideia de receita bruta que se extrai do Decreto nº. 1.598/1977, cabendo ao contribuinte promover o cálculo e declaração do valor de PIS e COFINS sobre a receita.
Por sua vez, a função dos registros contábeis não se encerra na atividade fiscal, de modo que também tem por hábito informar, influenciar e dar dinâmica ao mercado, posto que quando executados em conformidade, asseguram um papel descritivo e preditivo natural às ciências contábeis.
Afinal, ao proceder ao relato de cada fato contábil, as assimetrias informacionais dentro do mercado são diminuídas, de modo que não só o Fisco, mas também todo um conjunto de players que pode estar envolvido, ainda que indiretamente, neste nicho econômico (seja como investidor, como fornecedor, dentre outros) será destinatário e possível beneficiário com a informação registrada de modo escorreito.
A fim de auxiliar na compreensão dos fenômenos mercadológicos e sua contabilização é que existe o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), entidade mista instituída em 2005 por meio de resolução administrativa, cujo objetivo é de padronizar as informações a serem descritas, levando em conta a tendência de uma economia globalizada e cada vez mais internacionalizada.
A título de exemplo, se se analisa o CPC 00 – em que pese não seja um pronunciamento propriamente dito, mas antes um balizador geral –, se extrai um conceito de ativos, passivos e demais noções contábeis corriqueiras nas declarações obrigatórias e facultativas no dia a dia empresarial.
Mais dentro da especificidade, se se pretende julgar a situação financeira de uma empresa como confiável sob o enfoque da sua atividade corriqueira no mercado, isto é, da sua atividade sujeita à demanda e contratação, bem como as receitas daí advindas, a base é extraída do CPC 47, por exemplo.
Deste modo, um leitor que nos acompanhe até aqui percebe que se se pode extrair uma conclusão parcial, esta seria a de que a dinâmica da economia é complexa, sendo vários os sujeitos envolvidos e interessados em operações que podem parecer simples, como por exemplo, o ato de uma contratação, que da mesma forma que confere as bases para aferição da receita empresarial e sua tributação, também permite ao mercado saber sobre a saúde financeira de uma empresa.
Em uma escala imediata, isto influencia em operações de crédito, movimentando uma série de outras empresas e atividades econômicas. Sob o ponto de vista macro, isto auxilia na tomada de decisões que podem impactar na entrada e saída de recursos.
Uma segunda conclusão possível é aquela que pontua que em alguma medida, tanto a normativa extraída dos pronunciamentos contábeis quanto os dispositivos legais e administrativos que disciplinam as relações tributárias de que falamos no início podem simultaneamente dar definições sobre coisas similares, ou ao menos congêneres. É o caso dos exemplos acima: enquanto o Decreto de 1977 fala sobre receita bruta, o CPC 47 define os elementos caracterizadores da receita.
Esta conclusão, então, deve conduzir ao seguinte questionamento: é possível que a legislação fiscal e a regulamentação técnica contábil, falando sobre a mesma coisa, determinem efeitos diferentes? Isto é: é possível que um CPC entenda que o conceito de receita, por exemplo, é mais abrangente ou mais restrito do que a receita para fins tributáveis, para a União, ou outros entes que se valham desta riqueza para tributar?
Na via reversa: é possível que receita federal e o CPC tenham entendimentos convergentes sobre os mesmos assuntos?
Optamos por responder, inicialmente, a segunda questão. Adiantando a resposta positiva, demonstramos uma Solução de Consulta da Receita Federal do Brasil em que explicitamente o Fisco entendeu pela adoção de um método progressivo de contabilização da receita tributável para fins de apuração da Contribuição Patronal Sobre a Receita Bruta.
Na ementa da SC COSIT nº. 202/2017 a Receita Federal entende admissível que, para contratos de construção ou fornecimento de bens e serviços ainda a serem produzidos – on demand – que já tenham preço fixado, admite-se uma não vinculação ao regime de apuração da competência – aquele segundo o qual as receitas são contabilizadas e tributadas conforme o direito de crédito surge –, mas sim ao método do percentual de entrega (percentual of completion), previsto no CPC 17. Vejamos:
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS
EMENTA: CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO. TRIBUTAÇÃO. MÉTODO DA PERCENTAGEM COMPLETADA. TRATAMENTO PARA AS ALTERAÇÕES NAS ESTIMATIVAS DE RECEITAS E CUSTOS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA (CPRB). BASE DE CÁLCULO.
Relativamente a contratos com prazo de execução superior a um ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço predeterminado, de bens ou serviços a serem produzidos, a respectiva receita deverá ser reconhecida, para fins de determinação da base de cálculo da CPRB, de forma proporcional ao estágio de execução, conforme o chamado método da percentagem completada, também conhecido como método POC (“Percentage of Completion”), nos termos do Pronunciamento Técnico CPC 17 (R1) – Contratos de Construção, levando-se em consideração, inclusive, se for o caso, os efeitos de mudança na estimativa da receita e dos custos do contrato.
Como se vê, é um caso em que o entendimento vinculante da Receita Federal converge com o que as práticas contábeis determinam, o que responde positivamente ao segundo questionamento.
Nada obstante, essa não é a regra, de modo que a primeira pergunta também tem uma resposta positiva. Em que pese sejam os mesmos eventos reais – obtenção de receita, valorização, depreciação, entre outros – é comum que a administração tributária não mude a aplicação de conceitos para fins tributários.
A isto, então, se dá o nome de neutralidade fiscal. É uma regra segundo a qual nem a tributação é necessariamente presa aos conceitos contábeis, nem as práticas de mercado e de contabilização e demonstração destes eventos é vinculada ao que o Fisco entende. A dizer, deve a neutralidade fiscal servir para, de um lado, não submeter o interesse arrecadatório a conceitos e práticas exclusivamente mercadológicas, ao mesmo tempo em que o titular deste interesse – em tese, pelo menos – se posiciona fora do mercado, livre de qualquer direcionamento ou medida que, diretamente ou não, prejudique a liberdade econômica.
Em que pese pareça uma discussão eminentemente abstrata, a prática nos mostra efeitos importantes de conhecer a neutralidade fiscal.
Por exemplo, tomemos o teste de impairment (recuperabilidade), previsto no CPC 01 e eminentemente direcionado às empresas de capital aberto. Seu objetivo é tornar balanços patrimoniais mais fiéis à realidade, analisando se o valor contábil atribuído é realizável, isto é, aquele ativo tem o valor recuperável em uma operação de compra e venda.
Assim, pela adoção dos métodos próprios ao teste, alcançamos, ao fazer um raio x de um ativo, o seu valor recuperável, e, comparando-o com o valor contábil, é possível que se faça uma provisão de perda por desvalorização.
Ao posicionar em uma demonstração contábil este valor, a razão da conta de ativos deve ser ajustada conforme a perda por desvalorização, o que será levado em consideração, por exemplo, na tomada de decisões de investidores, credores, dentre outros.
O ajuste, se implicar em decréscimo, todavia, não serve para diminuir a base de cálculo de alguns tributos, por exemplo, motivo pelo qual é indicada a escrituração em livros apartados.
O mesmo ocorre, por exemplo, em outra situação: na avaliação a valor justo (AVJ), definido pelo CPC 46 como um valor presente de quanto seria obtido em uma transação de determinado ativo, em condições normais de negociação, o que supera o valor histórico do ativo, é dado que o acréscimo entre valor histórico e valor justo não computará efeitos para cálculo do lucro real, desde que devidamente demonstrado em subconta própria.
Em que pese a matéria da AVJ não seja pacificada nas esferas administrativas da Receita Federal e comporte uma discussão própria para si, é possível ver que há julgamentos em que se entende pela manutenção da neutralidade fiscal na autuação dos valores apurados, que, em uma linha concisa e arrazoada de raciocínio, não implicam, a despeito de sua contabilização presente, disponibilidade e acréscimo patrimonial imediato, não integrando o conceito do art. 43 do Código Tributário Nacional.
Caso se queira, a discussão pode levar a muitos outros exemplos, como o momento e efeitos da apuração do ajuste a valor presente (AVP), os efeitos da variação cambial no AVP, dentre outros.
Inobstante, o que importa para o momento é que, depois de todo o racional construído, se tenha em mente que mesmo nas operações costumeiras de registro de movimentos e suas consequências fiscais e econômicas, a integração e a atualidade da informação contábil e jurídico-tributária é questão que não pode ser ignorada.
Afinal, a título de conclusão, é possível perceber a partir desta breve explicação e dos exemplos dados, que a correta caracterização dos fenômenos contábeis e sua adequada interpretação conforme as leis fiscais é fator determinante para que se possa reduzir custos tributários ou ainda os riscos de futuros questionamentos.
E por isso, então, é que conforme o título diz, o conhecer é o caminho para prevenir e minimizar. E é nesta missão que a Berehulka & Agostini se empenha diariamente, buscando trazer aos seus clientes confiabilidade e tranquilidade, fazendo como ainda não foi feito.