Compliance: Mais do que comum, um interesse (agora) público

Por Gabriel Luis Marcon Bark

Advogado, pós-graduando em Direito Aduaneiro e Tributário pela PUC-MG, bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade Positivo.

 

Em um artigo anterior, discutiu-se a noção de compliance, que busca traduzir, no âmbito societário privado, um modo de pensar e organizar as relações empresariais, em uma perspectiva interna e externa, voltada para a adoção de práticas, processos e hábitos de conformidade com a legislação.

 

Defendeu-se, então, que uma aplicação pragmática do compliance seria visível na estruturação de processos – entendido o termo processo como uma cadeia de transformação – que atingem o fim de assegurar, na atividade rotineira da empresa, a obediência às leis em que a empresa está inserida. A dizer, em nível de mercado globalizado, reflete a preocupação uma relevância que não merece olhar superficial.

 

Exemplificou-se, ainda na ocasião, que o compliance tributário seria um instituto que asseguraria a melhor prática na apuração fiscal, sendo um interesse comum do contribuinte, que adota os meios idôneos para o pagamento do tributo devido (e apenas), tornando a arrecadação uma via de mão dupla pavimentada na confiança. Assim, tornar-se-iam (e sabe-se que há aí um pouco de idealismo) desnecessários os procedimentos litigiosos fiscais que tomam, sabe-se, tempo e, na esfera judicial, parte considerável dos recursos do poder judiciário.

 

Ao final, a conclusão dá a entender que trata o compliance da adoção de “melhores práticas éticas e legais”, o que ora se ratifica, e que legislações próprias de estados como São Paulo vem mostrando que efetivamente a conformidade e a  confiança destas práticas são um interesse comum.

 

Pois bem.

 

Feito o resumo do que se tem por compliance, o tema volta agora a ser exposto ao leitor sob a mesma perspectiva de antes, mas com um tom de confirmação: com a vigência da Lei nº. 14.133/2021, já apelidada de nova lei de licitações, o ordenamento jurídico viu inaugurar um novo marco legal para as contratações públicas.

 

Embora ainda coexistente com, por exemplo, a Lei nº. 8.666/1993, desde a publicação da Lei nº. 14.133/2021, não é opinião incomum a percepção segundo a qual a nova lei inova e pretende (novamente, sabe-se que há um certo otimismo) tornar as contratações públicas mais escorreitas e comprometidas com o interesse público, que é, sabe-se, o fim da administração pública.

 

É exatamente nesta medida, então, que se insere a questão da preocupação com o compliance. Se leis fiscais demonstram que a contrapartida privada para a moralidade pública é tão imprescindível quanto o caminho oposto, a nova lei serve a derrubar qualquer dúvida quanto ao dever social – e individual – de promover um ambiente público onde a obediência à legalidade é a regra.

 

Tanto é assim que a Lei nº. 14.133/2021 traz, para o que importa ao breve comentário, dois momentos de ressalte para a empresa que tenha estruturado o compliance, lá denominado de “programa de integridade”: (i) em contratação de grande vulto, é obrigatório que em até 06 meses do contrato, conforme o art. 25, pár. 4º da Lei 14.133/2021; (ii) critério de desempate em certames licitatórios em geral.

 

Com efeito, em que pese à primeira vista pudesse parecer estranho que um caso exige a instalação de programa de compliance para validade do contrato firmado, na verdade é dado que ambos os dispositivos coexistem harmonicamente, posto que o segundo cuida apenas de dar um critério seguro segundo o qual poderá haver desempate: se a empresa concorrente já tem programa estruturado, há possibilidade de vitória neste critério.

 

Vale dizer, todavia, que a questão carecerá, à medida de seu uso, de melhor compreensão, posto que o texto legal se restringe, no caso de (i), a legar a regulamento específico a questão.

 

O que fica, então, e pela terceira vez se ressalta, ainda que em um campo muito mais do esperar ser, neste momento, é a certeza de que gradativamente a ideia de compliance deixa de ser um instituto ou um neologismo que remete a um jargão próprio do ramo empresarial, e passa a ser efetivo meio de estabelecimento de uma relação de confiança entre a administração pública e o setor privado.

 

Em sendo assim, seja no âmbito fiscal, seja no âmbito mais amplo da contratação pública, consagra-se, ainda que um pouco próximo da obviedade, que o interesse público é da responsabilidade da sociedade em geral, sendo dever comum a cooperação entre atores sociais.

 

Uma última reserva, todavia, deve ser feita: todo avanço, ainda que para o óbvio, exige gradatividade. Não à toa, a nova lei de contratações, até 2023, poderá ser aplicada, deixando a cargo do administrador a opção entre a legislação antiga e a nova.

 

Inobstante, não deve o elemento temporal conduzir o leitor em descrença. Ao revés, pode sim indicar um elemento para ainda mais, ratificar o quanto se expôs até aqui no argumento, posto que o biênio descrito deve, indubitavelmente, servir para permitir uma aplicação segura da legislação no período oportuno.

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