Desconsideração inversa da personalidade jurídica – Aspectos Gerais

Por Ágatha Eloise Barreto – Acadêmica de Direito

 

 

Diante de dúvidas em comum levantadas em torno desse assunto, cumpre esclarecer alguns pontos gerais da modalidade já praticada pela jurisprudência e depois permitida expressamente no Código de Processo Civil de 2015 (§ 2º do art. 133)[1].

Para deixar claro: a legislação brasileira admite a desconsideração da personalidade jurídica em casos específicos, o que em termos práticos significa que o juízo pode alcançar os bens particulares de administradores/sócios para cumprir com algumas obrigações contraídas pela empresa quando não adimplidas por patrimônio da pessoa jurídica, ou vice-versa.

Sabe-se que a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa física. Essa característica confere segurança ao empreendedor e tal autonomia só pode ser afastada em situações pontuais, quando comprovado o abuso como desvio de finalidade e confusão patrimonial.

Cabe ressaltar que a participação em quadro societário de diversas empresas não é capaz de embasar por si a confusão ou ocultamento de bens. O grupo econômico pode, claro, levar à declaração de solidariedade no cumprimento das sentenças, mas a desconsideração da personalidade jurídica prevê outros requisitos.

O desvio se manifesta em casos em que a pessoa jurídica realiza atos ilícitos e/ou fraudes aos credores, como quando o sócio se vale da pessoa jurídica para ocultação de bens em prejuízo de terceiro.

Para não caracterizar a confusão patrimonial, de acordo com o art 50, § 2º, do Código Civil[2], os sócios devem se atentar para realizar pagamentos e  aquisição de bens respeitando divisões. Para transferência de ativos e passivos, por exemplo, é necessário cumprir e registrar as devidas contraprestações.

A título ilustrativo, destaca-se o seguinte julgado recente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Trata-se de um caso em que o sócio – um médico, contraiu uma dívida e, com a frustração da execução e a comprovação de confusão patrimonial, foi possível requerer a desconsideração inversa da personalidade jurídica e a consequente penhora de veículo de alto valor, antes registrado em nome da empresa.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, NA MODALIDADE INVERSA. CONFIGURADA A CONFUSÃO PATRIMONIAL. VEÍCULO DE ALTO VALOR REGISTRADO EM NOME DA PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM AS ATIVIDADES EMPRESARIAIS. INEXISTÊNCIA, POR OUTRO LADO, DE BENS PENHORÁVEIS DO SÓCIO DEVEDOR. POSSIBILIDADE DE SE AFASTAR, DE FORMA EPISÓDICA, A AUTONOMIA PATRIMONIAL. PENHORABILIDADE DO AUTOMÓVEL CUJOS DIREITOS FORAM CONSTRITOS NA ORIGEM. IMPRESCINDIBILIDADE, PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE MÉDICO DO DEVEDOR, NÃO COMPROVADA. RECURSO CONHECIDO, AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (TJPR – 7ª C.Cível – 0037298-44.2019.8.16.0000 – Coronel Vivida – Rel.: Desembargador Francisco Luiz Macedo Junior – J. 14.02.2020)[3]

 

O véu que protege e distingue a autonomia patrimonial também pode ser levantado em casos em que um ex-sócio permanece atuando e dirigindo uma empresa por procuração conferida a membros familiares, mesmo após a transferência de suas cotas sociais. Em outro cenário, tem-se um exemplo aplicado ao âmbito de relações conjugais, dependendo do regime de bens, quando se configura a ocultação.

Pelo exposto, oportuno destacar que o planejamento societário e sucessório cumpre o papel de organizar as atribuições, bens e obrigações, conferindo segurança aos empresários frente a esse e inúmeros outros aspectos legais.

 

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

[3] https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/4100000010362621/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-0037298-44.2019.8.16.0000#

 

 

Para mais informações, acesse: http://basda.blog.br.

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