A MEDIDA PROVISÓRIA 806/2017 E A NOVA TRIBUTAÇÃO SOBRE FUNDOS DE INVESTIMENTOS

Por Paulo Henrique Berehulka,

Advogado e membro da OAB/PR desde 2003; e

 

Maxwell Lima Dias,

Advogado e membro da OAB/PR desde 2016.

 

 

O Governo Federal publicou nesta segunda-feira (30) a Medida Provisória 806/2017, que trouxe relevantes alterações na tributação sobre os Fundos de Investimentos fechados. Esta nova tributação, mais rigorosa, atinge em cheio os investimentos de grandes fortunas, ao instituir o chamado “come-cotas” para os fundos fechados.

 

O “come-cotas” consiste na cobrança semestral do Imposto de Renda sobre os ganhos, sendo que o recolhimento não é feito em forma de dinheiro, mas sim em forma de redução de capital, e o administrador do fundo recolherá o tributo aos cofres públicos. Este procedimento já se aplicava aos Fundos de Investimentos abertos.

 

Mudanças Implementadas

 

A tributação nos Fundos de Investimentos fechados acontecia somente no momento da amortização das cotas ou na liquidação do fundo. Agora, de acordo com o novo regime de tributação trazido pela Medida Provisória, a cada seis meses, a diferença entre o valor patrimonial das cotas e o custo de aquisição ou o valor das cotas no momento da última incidência do Imposto de Renda será tributada por meio do Imposto de Renda às alíquotas regressivas de 22,5% a 15%.

 

Nas hipóteses de cisão, incorporação, fusão ou transformação de fundo de investimento, na data do evento, incidirá também o Imposto de Renda sobre a valorização das cotas ocorridas desde sua aquisição ou desde a última incidência do imposto.

 

São excetuados da tributação acima mencionada os rendimentos decorrentes de fundos específicos, (i) Fundos de Investimento Imobiliário – FII, (ii) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC e Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIC-FIDC, (iii) Fundos de Investimento em Ações – FIA e Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Ações – FIC-FIA; (iv) fundos constituídos exclusivamente por investidores não residentes no país ou domiciliados no exterior, na forma do art. 81 da Lei n.º 8.981/95; (v) fundos de investimento e fundos de investimento em cotas que, em 30 de outubro de 2017, prevejam expressamente em seu regulamento o término improrrogável até 31 de dezembro de 2018, e (vi) Fundos de Investimento em Participações – FIP.

 

Em relação aos Fundos de Investimentos de Participações – FIP’s, o novo regime de tributação da MP dependerá da classificação de tais fundos, como sendo “Entidades de Investimento” ou “Não Entidade de Investimento”, nos termos da IN 579/2016 da CVM.

 

De acordo com os arts. 4º e 5º da IN 579/2016, são qualificados como entidades de investimento os FIP’s que, dentre outras características, atribuam o desenvolvimento e gestão da carteira a um gestor qualificado, que deve ter plena discricionariedade na representação e tomada de decisão junto às entidades investidas, visando à obtenção de retorno principalmente por meio do desinvestimento dos ativos detidos pelo fundo, que, regra geral, devem ser avaliados com base no valor justo.  Segundo a MP 806/17, os FIPs ”entidades de investimento” não estão sujeitos à tributação semestral do IRF.

 

Em relação aos FIP’s não qualificados como entidades de investimento, estarão sujeitos à tributação tal como fossem pessoas jurídicas. Segundo a MP 806/17, os ganhos acumulados pelos FIPs até 02.01.18 serão considerados como distribuídos aos cotistas nesta data e, em razão disto, estarão sujeitos à tributação à alíquota de 15% de Imposto de Renda.

 

Inconstitucionalidade da MP 806/2017

 

O novo regime de tributação será aplicado, inclusive, para a valorização de cotas ocorridas antes do início da vigência da MP. Trata-se, pois, de norma com efeitos retroativos a fatos jurídicos ocorridos antes do início de sua vigência, violando, assim, o Princípio Constitucional da Irretroatividade da Norma Tributária.

 

A Constituição Federal, em seu art. 150, III, a, veda expressamente que os Entes dotados de competência tributária instituam tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. É o Princípio da Irretroatividade da Norma Tributária.

 

Assim, a norma tributária em strictu sensu, que institui ou majora tributo, não pode estender a incidência do tributo a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Admitir a retroatividade de seus efeitos seria relativizar normas constitucionais.

 

O princípio da Irretroatividade (sentido amplo) é corolário do Princípio da Legalidade (sentido amplo). Portanto, relativizar o princípio da Irretroatividade da Norma Tributária é violar o princípio da Legalidade Tributária, segundo o qual, não se pode exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça.

 

Assim, cobrar tributos relativos a fatos geradores anteriores à vigência da norma viola não só o Princípio da Irretroatividade Tributária, como também o próprio primado da Legalidade Tributária.

 

Ademais, em se tratando do Princípio da Legalidade Tributária (CF, 150, I), sabe-se que, conforme dispõe o artigo 62, §2º, Medida Provisória que implique instituição ou majoração de impostos, ressalvados os impostos previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, apenas poderá produzir efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

 

Ou seja, para que possa a Medida Provisória propagar seus efeitos relativos à exigência do “come-cotas” (IR) sobre novas hipóteses de incidência, ainda em 2018, deverá ser convertida em lei até 31 de Dezembro de 2017, sob pena de agredir a Legalidade Tributária. Ainda assim, em respeito ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal (CF, 150, III, c), a MP somente produzirá efeito após transcorrido o prazo de 90 dias da data de conversão em lei. Caso não convertida em lei ainda no exercício de 2017, sua vigência terá início somente em 2019.

 

Não bastasse isso, a Medida Provisória 806/2017 institui exigência de tributo relativo a fato gerador fictício, isto é, fato jurídico que não ocorreu. Segundo o seu texto normativo, consideram-se pagos ou creditados aos cotistas do fundo os rendimentos correspondentes à diferença entre o valor patrimonial das cotas e o seu custo de aquisição.

 

Ou seja, a pessoa física, sócia do fundo de investimento, ainda que não realize a amortização ou liquidação das cotas ao fim do prazo previsto, será tributado semestralmente pelo Imposto de Renda. O absurdo disso é que o executivo, assumindo a função legiferante, optou por arrolar como hipótese de incidência do Tributo, fatos jurídicos fictos ou presumidos. Embora não tenha sido realizada a hipótese de incidência, presumir-se-á realizado o fato jurídico para uma arrecadação mais eficaz por parte do Estado-Fisco.

 

Conforme brilhantemente nos ensina Paulo de Barros Carvalho, a Relação Jurídico-Tributária somente se instaura se houver, no mundo tangível, a perfeita coincidência entre a Hipótese de Incidência prevista na norma e a sua projeção factual concreta. Não ocorrendo o fato jurídico nos exatos termos da hipótese de incidência, não há de se falar em relação jurídico-tributária.

 

Neste caso, a Hipótese de Incidência do Imposto de Renda sobre Fundos de Investimentos fechados, até então, era a amortização de quotas pelo investidor ou a liquidação do fundo. No entanto, a MP 806/2017 determina que semestralmente, nos meses de maio e novembro, presumir-se-á ocorrido o fato gerador do tributo, independentemente de ter havido, de fato, a amortização das quotas ou liquidação do fundo.

 

Ademais, exigir tributo sobre a amortização de rendimentos sem que o acionista tenha, de fato, os recebido, viola o Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva, uma vez que exige-se o imposto sobre rendimentos ainda não auferidos.

 

Diante disso, não restam dúvidas que a Medida Provisória nº 806/2017 encontra-se eivada de inconstitucionalidade, podendo os investidores em Fundos de Investimentos fechados recorrerem ao Judiciário e garantir que não sejam obrigados a pagar tributo em desarmonia com os princípios constitucionais.

 

Por outro lado, respeitando as especificidades de cada caso, e o tipo de fundo investido, o administrador, por decisão dos quotistas, poderá realizar a liquidação do fundo antes da entrada em vigência da norma, ou, ainda, instituir uma Holding Familiar como alternativa à elisão fiscal.

 

Para mais informações, acesse: http://basda.blog.br/

 

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