Da Elisão, Evasão E Da Sanção Em Matéria Tributária: Do Equívoco Ao Seu Ajuste.

por Gabriel Luis Marcon Bark[1]

 

No âmbito do direito tributário, não é novidade o uso de institutos próprios ao direito societário para a redução da carga tributária, sem que disso necessariamente se extraia alguma irregularidade. Nesta mesma plataforma, por repetidas oportunidades falou-se sobre o planejamento tributário.

Pois bem. Para um leitor que tenha acompanhado outros artigos, nesta plataforma preferencialmente, mas não exclusivamente, também não é novidade que o tema do planejamento tributário, ao mesmo tempo em que tem admiradores, possui combatentes, haja vista que não necessariamente é do interesse do Fisco a redução da carga tributária, que implica menor arrecadação.

Evidentemente, um observador neutro, dentro da possibilidade desta complexa relação entre psique humana e neutralidade, que perpassa por noções como parcialidade e imparcialidade, poderia argumentar que ao lado daqueles que não endossam o planejamento tributário como instrumento lícito, há um argumento desfavorável, que é aquele segundo o qual ao Fisco não é assegurado o direito de maximizar a arrecadação tributária a qualquer custo, mas sim, o de seguir as regras do jogo de forma a não esquecer que a tributação é relação jurídica decorrente da lei, que segue os limites da lei.

É dizer, felizmente, e há muito tempo, a impressão de que o tributo concentra em si uma característica um tanto quanto metafísica, que o torna expressão do poder do Estado e consequentemente uma relação em que há império da força, foi ultrapassada, de modo que sob o ponto de vista de quem arrecada, nada mais se espera que a obediência ao que a lei permite.

Inobstante, então, à contundente crítica que pode ser superada, como fazem os defensores da maximização da arrecadação, se se admite que em direito, nada é tão certo que não possa ser argumentado, de modo que a noção de “o que a lei permite” não é tão clara para qualquer que seja o lado dos jogadores deste tabuleiro, certo é que, evitando-se a tentadora proposta de aprofundar na discussão abstrata das raízes dos pensamentos sobre o planejamento tributário, constantemente se põe um conflito sobre o já referido tabuleiro de jogo: dentro da liberdade privada dos Contribuintes, qual o limite que faz com as operações, por exemplo, societárias, envidadas com vistas a não apenas, mas em grande parte, reduzir a carga tributária, sejam lícitas, e qual o momento em que a linha é cruzada e passa-se a ver tais operações como fraudes ou abusos?

A questão, em sua origem, nada mais faz do que estender a divisão clássica posta por todos os manuais de direito tributário, desde aqueles que prometem lecionar o bê-á-bá da execução do planejamento tributário societário, até aqueles cuja promessa é mais próxima da realidade e pretendem tão somente estabelecer as bases do conhecimento necessário para que o planejamento não se torne uma aventura: qual a diferença entre evasão e elisão fiscal e qual o limite que define uma e outra?

Aquela resposta que, ao leitor mais familiarizado com o tema, de tão natural que surge já se tornou um mnemônico – em que pese, por vezes, seja nas questões fundamentais que reside grande parte das controvérsias jurídicas que despontam em noticiários e afins – que argumenta que a evasão entra na esfera do ilícito, e a elisão na área do lícito, é o que faz surgir a pergunta anteriormente formulada, que pretende responder sobre o momento delicado em que planejamento se torna abuso ou fraude.

Afinal, alguns podem arguir, como fazem, que ainda que se admita a prática do planejamento elisivo, é necessário um quê a mais que o torne concreto, real, palpável, dotado de sentido e significado. Para aquilo que falta esta espécie de recheio – cujo conteúdo pode, ao ver de quem redige este artigo, na verdade, criar mais dúvidas do que certezas quanto à pergunta inicialmente proposta – então, dá-se a categoria de abusivo ou fraudulento.

Neste momento, como de praxe, é de bom alvitre pedir ao leitor que acompanha até aqui a opinião, um pouco mais de paciência, com a promessa de que logo à frente a discussão escapará deste caráter eminentemente abstrato e demonstrará que prática e teoria não se dissociam, sendo necessário ao teórico exercer aquilo que conhece, da mesma forma que daquele que exerce, é exigido conhecer aquilo que produz.

Se no planejamento tributário envidado com emprego de fraude o comum é o direcionamento malicioso para atos e fatos que ocorreram com outra roupagem – a fim de trazer um raciocínio simples que se sustenta ao longo do artigo –, no que é abusivo, que ao ver do autor desta opinião, é gênero no qual vício jurídicos se enquadram como espécies, há excesso no exercício de um direito, sendo usual que dentre as espécies, se verifique com relevante profusão a da simulação, em que por exemplo, um Contribuinte estrutura um planejamento viabilizando atingir objetivo certo, com a justificativa formal de que com aquele negócio estaria atingindo objetivo distinto, legítimo e correto.

Pois bem. Quando do exercício da Fiscalização, é comum que o complexo de atos e fatos que compõem um mecanismo de planejamento tributário, sejam revistos, tratando-se esta revisão de uma faculdade do Fisco que, neste caso, está apenas jogando o jogo conforme as regras. Inobstante, se daí se vislumbram indícios (preferencialmente, deveriam ser sólidos) de supressão irregular de valores devidos, é legítimo – e legal – que a cobrança não se restrinja àquilo que foi suprimido, incidindo naturalmente a correção monetária e encargos como a multa punitiva, que visa coibir o comportamento, e a multa moratória, que pune o pagamento a destempo.

A controvérsia pragmática envolvendo a questão sobre o que define um planejamento como uma operação lícita e o que define o mecanismo jurídico como subterfúgio para a prática do ilícito, então, toma relevância exatamente neste ponto: considerando a intrincada relação entre planejamento tributário, licitude e ilicitude, bem como a relação entre o gênero abuso e a qualificadora de comportamento da fraude, acima expostos, até que ponto é lícita, pelo Estado, a cobrança de multas que acompanham os valores não pagos a tempo e modo a título de tributos?

Toma especial relevância a indagação quando se consideram que as multas punitivas podem chegar a percentuais elevados, como os de 225% – sendo vedado deixar de mencionar que há atualmente discussão, no Recurso Extraordinário (RE) 736090 sobre a fixação de parâmetros razoáveis com relação às multas punitivas, em um caso que teve início, curiosamente, exatamente na atividade de fiscalização da Receita Federal sobre um grupo econômico em que o Fisco entendeu preponderar a falta de propósito negocial em parte das empresas, entendidas como simples instrumento de supressão tributária.

Para o Fisco, a controvérsia parece não existir: na supressão tributária, incidem as multas quando encontradas as operações verdadeiras, os fatos geradores verdadeiros e procedido ao cálculo do tributo, igualmente, supostamente verdadeiro. A bem da verdade, em favor da neutralidade do argumento, certo é que por força do Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, nas instâncias iniciais do lançamento creditício, enquanto não consolidado o contencioso administrativo, certo é que descabe ao Fisco abrir exceções sobre se deve ou não lançar a multa, apenas segue-se a lei.

Por outro lado, encerrando este parêntese adicional, o mesmo argumento não subsiste quando da instauração de discussão administrativa em que se deixa clara a inexistência de qualquer subterfúgio para supressão da tributação.

E é, então, neste aspecto que recentes e louváveis decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o CARF, parecem caminhar.

Ao analisar autuações fiscais nas quais houve instauração de contencioso fiscal, em matérias que envolviam discutir exatamente a pertinência da multa punitiva, o CARF entendeu pelo afastamento da referida penalidade nos casos em que não se pode aferir que os Contribuintes agiram com efetiva intenção de, como dito acima, direcionar maliciosamente a compreensão sobre atos e fatos relevantes.

A dizer, no processo de nº. 19515.721820/2013-90, a despeito de se reconhecer o abuso de direito, aquele gênero a que se referiu antes, a ausência de elementos que corroborassem a tese de sonegação, fraude ou conluio nas operações autuadas – qualificadores, como posto quando se falou sobre a fraude especificamente, acima – faria afastar a exigência da multa punitiva.

Da mesma forma, no processo de nº. 16561.720192/2012-09, quando instado a se manifestar sobre a exigência da multa em complexa relação envolvendo a adoção de empresas veículo (pessoas jurídicas destinadas à compra de participações societárias, para as quais, segundo a interpretação do Fisco, usualmente falta o propósito negocial) não é suficiente para que as operações encontradas como tributáveis sejam acrescidas da qualificação da multa punitiva, quando inexistente a confirmação do intuito fraudulento das operações.

O que dá a especial relevância que as decisões merecem é que se trata de entendimentos proferidos em sede administrativa, da qual se deve esperar, exatamente pelo fundamento do art. 3º do CTN, a seriedade que demonstraram, bem como o apreço às regras do jogo, que não podem ser tratadas como simples filigranas em favor do acréscimo da arrecadação, não sendo exagero dizer que nem sempre a expectativa encontra correspondente na realidade.

Assim, em que pese os questionamentos, que como se viu acima, adquirem contornos de maior complexidade e extensão à medida em que se imagina ter encontrado alguma resposta, continuem a existir, se vê que paulatinamente se pode esperar que equívocos passem a ser ajustados, em prol daquilo que importa a qualquer lado deste tabuleiro: a preservação das regras do jogo e sua obediência.

 

[1] Advogado, pós-graduado em Direito Aduaneiro e Tributário pela PUC-MG.

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