A VALIDADE DA CÉDULA DE PRODUTOR RURAL QUE NÃO CONTÉM A INDICAÇÃO DO ÍNDICE DE PREÇOS A SER UTILIZADO E DA INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL POR SUA APURAÇÃO.

Por Gabriela Oriente

Advogada, pós-graduanda em Direito Societário pela Fae Business School

 

Para que a cédula de produtor rural financeira seja considerada válida, não é necessário a indicação do índice de preços a ser utilizado no resgate e da instituição responsável por sua apuração ou divulgação, bastando que contenha os referenciais necessários à clara identificação do preço.

 

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado por produtores de algodão que, devedores de cédula de produto rural financeira (CPR), buscavam o reconhecimento da nulidade da mesma e, por consequência, da dívida.

 

A questão objeto da controvérsia cinge-se a saber se deve ser considerada nula a cédula de produto rural financeira objeto da execução, por não constar do título a indicação do índice de preço utilizado nem a instituição responsável por sua apuração ou divulgação.

 

A Lei n. 8.929/1994 instituiu a Cédula de Produto Rural (CPR) representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas, como um novo instrumento no sistema de crédito rural, destinado a proporcionar ao agricultor a possibilidade de obter capital necessário para o fomento do seu negócio por meio da venda antecipada de parte ou da totalidade da produção esperada.

 

Com a emissão da cédula de produto rural, o emitente se obriga a entregar o produto rural indicado conforme as especificações de quantidade e qualidade avençadas, recebendo antecipadamente parte do valor que pretende obter com a venda desse produto.

 

Conforme destaca a doutrina, “A nova legislação criou, assim, um interessante tipo de ativo financeiro, negociável nos mercados de bolsa e de balcão, cujo pagamento não está atrelado à moeda, mas à entrega de produtos rurais de qualquer espécie. Essa negociabilidade ampla deve servir como estímulo à difusão da CPR como título de financiamento de atividades rurais”.

 

A Medida Provisória n. 2.017/2000, posteriormente convertida na Lei n. 10.200/2000, alterou a norma mencionada, criando uma nova modalidade de cédula de produto rural, a Cédula de Produto Rural Financeira. Essa nova variante, prevista no art. 4º-A, que foi acrescido ao texto da Lei n. 8.929/1994, trouxe como principal inovação a possibilidade de liquidação do título com o pagamento em dinheiro do valor correspondente ao produto, nos termos previstos na cártula, ao invés da entrega in natura do produto rural nela indicado.

 

Não há dúvidas de que a cédula de produtor rural financeira somente constitui título executivo, nos termos no art. 4º-A da Lei n. 8.929/1994, se nela estiverem contidos os requisitos ali exigidos, entre eles a clara identificação do preço ou as especificações que propiciem a apuração do valor do produto na data avençada para o resgate.

 

Assim, entre os requisitos de validade da cédula de produtor rural financeira estão os referenciais (i) necessários à clara identificação do preço (primeira parte do inciso I do art. 4º-A da Lei n. 8.929/1994) ou (ii) do índice de preços a ser utilizado no resgate do título (segunda parte do mesmo dispositivo), sendo que, nessa última hipótese, é imprescindível a identificação da instituição responsável por sua apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de formação do preço e o nome do índice.

 

A necessidade de indicação, no corpo da cédula, do índice de preços e da instituição responsável por sua apuração ou divulgação tem a finalidade de evitar a potestatividade da cláusula de apuração do preço. A ausência dessas informações implica a nulidade do título pois deixa a apuração dos valores ao arbítrio exclusivo do credor.

 

No entanto, se o próprio título contém os referenciais necessários à clara identificação do preço, conforme prevê a primeira parte do inciso I do art. 4º-A da Lei n. 8.929/1994, o devedor fica ciente, desde o momento da contratação, do valor que pagará ao final, tornando desnecessárias as referidas informações complementares.

 

No caso julgado, a dívida foi alvo de execução pela Instituição Financeira. Em embargos, os produtores rurais apontaram a ausência dos requisitos legais da cártula, por dela não constar a indicação do índice de preços a ser utilizado no resgate do título.

 

Também pediram o reconhecimento da inexigibilidade da obrigação diante da ocorrência de caso fortuito e força maior: uma quebra generalizada da safra de algodão de 2004/2005, resultante de condições climáticas desfavoráveis.

 

Uma vez que a modalidade de CPR, objeto dos autos em comento, está prevista no inciso I do artigo 4-A da Lei 8.929/1994, não há o que se falar em nulidade.

 

A cédula executada traz todas as informações necessárias, em conformidade ao pátrio ordenamento jurídico: trata da safra de algodão em caroço, base tipo 6 (10.070 arrobas), com preço unitário R$ 14,40 a arroba, do ano de 2004/2005 e com data de pagamento em 14 de novembro de 2005.

 

Dados, estes, que permitem calcular quanto deverá ser efetivamente pago. “Assim, as partes pactuaram a cédula de produtor rural financeira prevendo sua futura liquidação por valor certo”, concluiu o ministro Antonio Carlos Ferreira.

 

Já a questão da inexigibilidade da dívida por caso fortuito ou força maior devido à quebra da safra por condições climáticas adversas não foi analisada, porque demandaria revisão de provas e fatos, medida vedada no STJ pela Súmula 7.

 

A votação na 4ª Turma foi unânime, conforme a posição do relator.

 

Portanto, não é nula a cédula de produtor rural financeira que não contém a indicação do índice de preços a ser utilizado no resgate do título e da instituição responsável por sua apuração ou divulgação, se a cártula prevê sua futura liquidação, na data de vencimento pactuada, por valor certo, obtido a partir da multiplicação da quantidade de produto nela previsto e do preço unitário do produto nela indicado, conforme o padrão e a safra a que se refere, pois o título contém os referenciais necessários à clara identificação do preço, conforme exige a primeira parte do inciso I do art. 4º – A da Lei n.º 8.929/1994.

 

Fonte: REsp 1.450.667-PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 19/10/2021, DJe 26/10/2021.

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