A Inconstitucionalidade da Nova Lei 13.606/2018 – Averbação Pré-Executória

Por Fernando Bernini Noronha

 

Em meio à elevada carga tributária brasileira e a um cenário econômico ainda instável, foi publicada em 10 de Janeiro de 2018, no Diário Oficial da União, a polêmica lei 13.606 de 2018, na qual deu nova redação ao artigo 20-B da lei 10.522/2002.

Após inscrever o devedor em divida ativa e notificá-lo em cinco dias para o pagamento do débito, o novo dispositivo prevê a possibilidade da Fazenda Pública averbar, inclusive por meio eletrônico, a CDA nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis. In verbis:

(…)

Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados.

3o Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e.

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direita sujeita a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.

(…) Grifado.

Trata-se, pois, da denominada “averbação pré-executória”, uma inovação criada pela nova lei e que viola, notadamente, diversos preceitos constitucionais. Senão, vejamos:

A Carta Magna Brasileira (CRFB/88) prevê em seu art. 5° como direito e garantia fundamental, a propriedade e o devido processo legal[1].

No que tange ao direito de propriedade, o art. 1.228 do Código Civil de 2002 conceitua como: o direito de usar, gozar e dispor da coisa. “Dispor da coisa” compreende a possibilidade do proprietário alienar o bem ou até mesmo utilizá-lo como garantia (seja penhor ou hipoteca).

O devido processo legal por sua vez é o princípio constitucional que rege todo o ordenamento jurídico e que garante a todos os indivíduos o direito de ação e o direito de defesa, a saber: ampla defesa, contraditório, juiz natural, publicidade dos atos processuais, duração razoável do processo, motivação das decisões, tratamento paritário conferido às partes envolvidas no processo etc.[2].

Logo, a prerrogativa dada à Fazenda Pública, de inviabilizar a disponibilidade dos bens do devedor, de modo arbitrário e unilateral, sem respeitar o devido processo legal, é flagrantemente inconstitucional.

Soma-se isso ao fato de que o art. 185-A do CTN (Código Tributário Nacional) somente autoriza a indisponibilidade dos bens do devedor mediante decisão judicial, desde que decorrido o prazo para defesa e a não localização de bens penhoráveis[3].

De toda sorte, no dia 22 de janeiro de 2018 o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 5.881, na qual contesta a validade da lei 13.606/2018, objeto deste artigo. Vejamos alguns dos argumentos utilizados:

“Os dispositivos acrescidos pelo artigo 25 da Lei 13.606/2018 abriram a possibilidade de a Fazenda Pública Federal, por meio de inequívoca sanção de natureza política, coagir o devedor da União a quitar os seus débitos sem sequer ser mais necessária a intervenção do Judiciário pela propositura de execução fiscal”.

(…)

“Tal inovação, sem sombra de dúvidas, inverteu por completo a lógica do sistema de cobrança da dívida ativa federal, obrigando agora o devedor a buscar a Justiça para repelir eventuais exageros e ilegalidades.”

Ainda, o Partido requer a liminar para suspender a eficácia do dispositivo até o julgamento do mérito da ADI pelo plenário do STF. O argumento é de que a implementação da medida, além de concretizar a outorga de poderes de autotutela ao Estado e de transgredir os direitos de propriedade e livre iniciativa, colocará em risco a atividade econômica do País.

Caso seja concretizada, a medida afetará com maior gravidade os pequenos e médios empreendedores, que, apesar de gerarem boa parte dos empregos na economia, têm possibilidades restritas de se defender juridicamente contra investidas abusivas do Poder Público”[4].

Em contrapartida, a Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional rebateu as criticas, sob o principal argumento de que o objetivo da averbação “pré-executória” é garantir que o devedor não aliene o patrimônio a terceiros, frustrando a cobrança executiva.

Ora, com todo respeito, mas tal argumento não merece prosperar, uma vez que já existe instrumento muito eficaz a fim de evitar possíveis fraudes cometidas pelo devedor, qual seja, a Ação Cautelar Fiscal, prevista na Lei 8.397/1997. A Lei possibilita que a Fazenda Pública requeira judicialmente a indisponibilidade dos bens do contribuinte em débito para com o fisco, inclusive, antes mesmo da prévia constituição do crédito, nos casos do devedor alienar bens a terceiros sem comunicação prévia ao sujeito ativo, assegurando, assim, a Execução Fiscal.

Os autos da ADI n° 5.881 encontram-se concluso com o relator Ministro Marco Aurélio, para apreciação do pedido liminar.

Aguardamos o deslinde da ação em epígrafe e esperamos que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Carta Magna, julgue inconstitucional a alteração promovida pela Lei 13.606/2018.

 

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII – é garantido o direito de propriedade;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[2] Artigos JUS. Princípio do Devido Processo Legal. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/22857/principio-do-devido-processo-legal/> Acesso em: 31 de janeiro de 2018.

[3]  Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

[4] Estadão. Lei do bloqueio de bens de contribuintes na dívida ativa é alvo de ação. Disponível em: < http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lei-do-bloqueio-de-bens-de-contribuintes-na-divida-ativa-e-alvo-de-acao/> Acesso em: 31 de janeiro de 2018.

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