Restituição de Valores Pagos à Companhia de Turismo

Por Karel Assef Sadila

Advogado

 

O período pandêmico até o presente momento enfrentado, ainda causa sérios danos à economia. Sendo assim, um dos setores mais impactados pelo isolamento social, foi o turismo.

Independentemente dos esforços em proteção às companhias, em diversos casos não há a possibilidade de manutenção dos termos pactuados anos atrás, pela simples impossibilidade do consumidor.

Nesse sentido, há de ser analisada a necessidade e a adequação dos valores estornados pela companhia de turismo, com a devida atualização cambial e correção monetária.

Para tanto, há legislação específica que regulamenta as possiblidades oferecidas aos consumidores e deveres dos prestadores de serviços e terceiros interessados.

Neste sentido, a Lei nº 14.046, de 24 de agosto de 2020, dispõe sobre o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e de cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente da pandemia da Covid-19.

Com luzes à referida normativa, é certa a compreensão de que a companhia que vendeu os pacotes, detém o dever de oferecer os mesmos serviços, nos moldes com os quais foram contratados. Senão vejamos:

Art. 2º Na hipótese de adiamento ou de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, de 1º de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2021, em decorrência da pandemia da covid-19, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: (“Caput” do artigo com redação dada pela Lei nº 14.186, de 15/7/2021)

I – a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos adiados;

II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas.

Ocorre que, não sendo viável a remarcação, seja por impossibilidade da companhia ou do consumidor, é imprescindível a devolução, visto que a regra apresenta a mera exceção. Este é inclusive o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que vem constantemente assegurando o direito do consumidor.

RECURSO INOMINADO. TURISMO. COMPRA DE PACOTE DE VIAGEM. PEDIDO DE CANCELAMENTO PELOS CONSUMIDORES. NÃO ATENDIMENTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CARACTERIZADA. REEMBOLSO DEVIDO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. ABSOLUTO DESCASO. DIVERSOS PEDIDOS NA VIA ADMINISTRATIVA QUE SEQUER FORAM RESPONDIDOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO DE R$ 1.000,00 (MIL REAIS) ARBITRADO PELO JUÍZO DE ORIGEM QUE NÃO COMPORTA MINORAÇÃO. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR – 3ª Turma Recursal – 0032442-39.2020.8.16.0182 – Curitiba – Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS JUAN DANIEL PEREIRA SOBREIRO – J. 20.09.2021)

 (TJ-PR – RI: 00324423920208160182 Curitiba 0032442-39.2020.8.16.0182 (Acórdão), Relator: Juan Daniel Pereira Sobreiro, Data de Julgamento: 20/09/2021, 3ª Turma Recursal, Data de Publicação: 20/09/2021)

 Sendo assim, compreende-se como provável o direito de estorno dos valores. Porém, há de ser destacada a necessidade de correta devolução dos valores, tanto em relação a atualização cambial, quanto em relação à correção monetária, sob pena de recair em enriquecimento sem causa.

Por conta disso, a normativa da ANAC demonstra a necessidade de devolução dos valores adimplidos em moeda estrangeira, serem corrigidos ao tempo do pedido de devolução dos valores.

ANAC – Portaria nº 676/GC-5, de 13 de novembro de 2000

Seção III – Do Reembolso

 Art. 7º O passageiro que não utilizar o bilhete de passagem terá direito, dentro do respectivo prazo de validade, à restituição da quantia efetivamente paga e monetariamente atualizada, conforme os procedimentos a seguir:

 II – bilhete internacional – o saldo a ser reembolsado deverá ser o equivalente ao valor residual do percurso não utilizado, calculado com base na tarifa, expressa em moeda estrangeira, efetivamente paga pelo passageiro e convertida na moeda corrente nacional à taxa de câmbio vigente, na data do pedido de reembolso.

Além disso, destaca-se que este é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

VOO INTERNACIONAL. CANCELAMENTO EM VIRTUDE DA PANDEMIA DA COVID-19. Ação de obrigação de fazer julgada parcialmente procedente para condenar a ré na obrigação de fornecer os serviços de transporte aéreo contratados, no mesmo itinerário e classe de serviço, de maneira que a viagem seja realizada até 30 de abril de 2022, garantido aos consumidores o tempo mínimo de escolha de 12 (doze) meses, tudo a partir da normalização das atividades da companhia aérea em relação aos voos operados por ela nos respectivos locais de partida e destino; em caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação de fazer, a ré foi condenada a indenizar o valor pago pelos autores, de modo que o montante adimplido pelos autores seja convertido em moeda nacional, na data da aquisição das passagens, com correção monetária pelos índices da tabela de atualização de débitos judiciais deste Tribunal de Justiça e juros moratórios legais a contar do pagamento. Apelo da ré. Alegação de impossibilidade de cumprimento da obrigação de fazer que não convence. Juros moratórios de eventual indenização que devem incidir a partir da citação ante responsabilidade contratual. Recurso adesivo. Não conhecimento na parte em que pretende seja a condenação ao pagamento de indenização devida se impossível o cumprimento da obrigação de fazer. Pretensão que corresponde ao quanto decidido pelo juízo de origem. Conversão de dólares americanos para reais quanto a eventuais valores a serem restituídos que deve ocorrer na data da devolução quanto à passagem adquirida para coapelante Helena porque ausente controvérsia nesse aspecto. Distribuição das verbas sucumbenciais. Recurso da ré. Apelante que sucumbiu em maior parte, de maneira que deve arcar com o pagamento das verbas sucumbenciais por inteiro. Fixação dos honorários advocatícios de sucumbência. Objeto de ambos os apelos. Alteração de ofício para 10% do valor atualizado da causa. Recurso da ré parcialmente provido para determinar que o termo inicial dos juros moratórios legais incidentes sobre eventual indenização corresponde à citação; e recurso adesivo parcialmente provido para determinar que eventual indenização do valor pago para aquisição da passagem da coapelante Helena deve ocorrer com conversão de dólares americanos para reais na data da devolução, alterados de ofício os honorários advocatícios de sucumbência para 10% do valor atualizado da causa.

(TJ-SP – AC: 10366598420208260100 SP 1036659-84.2020.8.26.0100, Relator: JAIRO BRAZIL FONTES OLIVEIRA, Data de Julgamento: 23/03/2021, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/03/2021)

Sendo assim, percebe-se a possibilidade de requisição da restituição dos valores. Além disso, sendo os valores adimplidos em moeda estrangeira, a cotação da moeda deve ser adequada ao momento do pedido de devolução, bem como, deve ser incidida a correção monetária dos valores, evitando o enriquecimento sem causa da companhia de turismo.

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