Por Maxwell Lima Dias, formado em Direito pela PUCPR, advogado e Compliance Officer no escritório BASDA, especialista em Direito Tributário e Processo Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia com foco em Direito Tributário e Desenvolvimento Sustentável pela UNIBRASIL, membro do NUPECONST – Núcleo de Pesquisas em Direito Constitucional da UNIBRASIL, membro do Comitê de Internacionalização do PPGD da UNIBRASIL e membro da Comissão de Precatórios da OAB/PR.
A Sociedade em Conta de Participação, ou “SCP”, é disciplinada nos arts. 991 a 996 do Código Civil, e constitui “moderno instrumento de captação de recursos financeiros para o desenvolvimento econômico, tendo, além disso, amplas e úteis aplicações, dentro do moderno campo do direito comercial”[1].
Trata-se de uma modalidade societária sui generis, à medida em que, a despeito de se constituir por força de uma affectio em tudo similar àquela que origina as sociedades em geral, não culmina, como as demais sociedades, na criação de uma pessoa jurídica própria, independente dos seus sócios. Conquanto esteja a SCP, no Código Civil, incluída no Título II do Livro II (Do Direito de Empresa), que disciplina os tipos societários, tratando-a como sociedade não personificada, é considerável a parcela da doutrina que lhe confirma natureza negocial / contratual, ou seja, não se trata de sociedade, mas um contrato regulador do relacionamento de dois sócios cujos interesses convirjam para um mesmo objetivo, qual seja, o desenvolvimento de um empreendimento específico.
À margem das altercações doutrinárias acerca de sua natureza jurídica, entretanto, é certo que a SCP se afigura eficiente instrumento para investimentos, máxime em empreendimentos de risco, nos quais pessoas físicas ou jurídicas confiam a execução de determinada atividade econômica ao sócio ostensivo, ou mesmo na execução de obras e serviços públicos, em que somente um dos sócios detém a aptidão para testilhar no certame e contratar com o Poder Público.
Tal eficiência na tutela de segurança dos membros da SCP se centra no estabelecimento de duas categorias de sócios: o sócio ostensivo e o sócio participante. Há ainda a peculiaridade da possibilidade de formação de um patrimônio especial, em separado dos patrimônios dos sócios, com vistas a suportar inicialmente o empreendimento que se pretende levar a efeito com a SCP.
Por primeiro, há que se registrar que a SCP não possui capital social, como o vulgo das estruturas societárias existentes. Há, na verdade, na estrutura da SCP, a previsão da constituição de um patrimônio especial, composto das contribuições de cada um dos integrantes da SCP. É esse patrimônio especial que será utilizado para a viabilização do empreendimento.
À vista disso, um dos participantes, designado sócio ostensivo, exercerá, exclusivamente, a atividade constitutiva do objeto social, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade. De outro lado, os demais participantes, denominados sócios participantes, ou sócios ocultos, participarão exclusivamente mediante investimento e percepção dos resultados do empreendimento. Assim, o sócio participante, em regra e na prática, é o responsável pela realização da maior parcela do investimento necessário para a composição do patrimônio especial que viabilizará o início do empreendimento, ainda que haja a participação do sócio ostensivo em menor grau.
A peculiaridade aqui, reside no fato de que o limite da responsabilidade do sócio participante é o exato montante por ele disponibilizado para a composição do patrimônio especial da SCP. Não há assunção de qualquer responsabilidade diversa pelo ou adicional do sócio participante, que manterá o direito de participar dos resultados da SCP.
Essa estrutura é bastante diversa dos demais tipos societários clássicos, onde se tem, ainda que de forma limitada, o estabelecimento de responsabilidade dos sócios pelo capital social subscrito para a constituição da sociedade, ou pelo valor das ações adquiridas, no caso das sociedades anônimas.
Com efeito, conforme preconiza o art. 991 do Código Civil de 2002, na sociedade em conta de participação a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes. E ainda mais, as obrigações perante terceiros são atribuídas somente ao sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
E é exatamente essa distinção, com a consequente redução aos riscos do patrimônio do sócio participante, um fator que pode ser um facilitador para a implementação de investimentos. Vejamos que o sócio participante não influirá nas relações comerciais estabelecidas com terceiros, todas elas a cargo do sócio ostensivo, único responsável pelo exercício da atividade econômica em si mesmo considerada. É esse sócio ostensivo que se obrigará perante terceiros, o que traz uma margem de conforto e segurança para o sócio participante, cujas únicas obrigações são contribuir para a formação do fundo comum e participar dos resultados do empreendimento na forma estabelecida no contrato de constituição de SCP.
Outro aspecto relevante refere-se à forma de liquidação da SCP. Preconiza o artigo 996 do Código Civil que a liquidação da SCP reger-se-á pelas normas que instruem a prestação de contas, na forma da lei processual. Ou seja, a liquidação da SCP passa por um dos chamados procedimentos especiais, com vistas ao acertamento seguro das posições e direitos dos sócios da SCP. Contudo, ainda que se deva observar tal estrutura de finalização para a SCP, certamente haverá um ganho de tempo com a superação da burocracia necessária para o encerramento de uma sociedade constituída pelo registro de seus atos no órgão de registro, por exemplo.
Adicionalmente, observamos que com edição da Instrução Normativa da RFB 1470/2014[2], passou a ser exigida a inscrição da SCP no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia). A SCP também é obrigada a entregar a Escrituração Contábil Digital – ECD – nas mesmas hipóteses em que estão obrigadas as demais pessoas jurídicas.
Observe-se que, para fins tributários, a SCP é equiparada a qualquer outra pessoa jurídica e a responsabilidade tributária é exclusiva do sócio ostensivo, a quem compete a apuração dos resultados, apresentação da declaração de rendimentos e recolhimento do imposto devido pela sociedade em conta de participação, e a prestação de contas. A escrituração das operações da SCP poderá ser realizada nos livros do sócio ostensivo, com a devida evidência ou destaque relativamente à SCP; ou em livros da própria sociedade. É possível adotar lucro real ou lucro presumido, conforme critérios exigidos pela legislação tributária, sendo permitido à SCP a adoção de sistemática de apuração diversa daquela adotada pelo sócio ostensivo.
Também no que concerne à apuração do PIS e COFINS, deverão ser atendidas as regras gerais de incidência, permitida a opção pelo regime cumulativo ou não-cumulativo, conforme o caso.
Os resultados positivos produzidos pela SCP serão distribuídos aos sócios após o recolhimento de todos os tributos, os quais não se sujeitam à tributação, nos termos do art. 10 da Lei nº 9.249/95.
Impende ressaltar, que em 27/09/2018, a Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta Cosit nº 142, por meio da qual exarou o entendimento de que os lucros auferidos pelo sócio participante, que exerce a atividade constitutiva do objeto social, estariam sujeitos à tributação. Tal entendimento restringe-se, porém, aos casos em que o sócio participante atua em conjunto com o sócio ostensivo, hipótese em que se desconfigura o próprio arranjo da SCP, passando o sócio participante, inclusive, a ser responsável solidário em relação às obrigações tributárias do sócio ostensivo.
Como se vê, o ordenamento jurídico brasileiro consigna instrumentos suficientes a tutelar os interesses de investidores, sendo que a SCP se destaca neste ambiente pela segurança que transmite a seus componentes, seja na constituição, seja no curso da realização das atividades, seja no formato de encerramento da SCP.
[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 306.
[2] A IN RFB Nº 1.470/2014, encontra-se, atualmente, revogada, sendo a IN RFB Nº 1.863/2018 a norma atual vigente. Porém, o texto normativo manteve a obrigação da SCP de ser inscrita no CNPJ pelo sócio ostensivo.