por Gabriel Luis Marcon Bark
Advogado, pós graduando em Direito Aduaneiro e Tributário pela PUC-MG, bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade Positivo.
Quando se fala em tributos federais, uma figura, ou melhor, um órgão que comumente desponta em debates e notícias é o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o CARF, cuja finalidade é a de julgar recursos relacionados à interpretação e aplicação da legislação fiscal referente aos tributos de competência da União.
A título de exemplo, até pouco tempo atrás o assunto mais comum envolvendo o CARF era a alteração trazida pela Lei nº. 13.988/2020, que reformando o art. 25, par. 9º do Decreto nº. 70.235/1972, dispensou a necessidade de se proferir o voto de qualidade em processo administrativo de determinação e exigência de crédito tributário.
A dizer, o voto de qualidade era um proferido em caráter de desempate, cuja autoria era dos Presidentes das Câmaras, que são representantes da União.
Esquivando-se da discussão quanto à vantagem e demais implicações do fim do voto de qualidade, posto que é uma temática que merece espaço próprio, o que importa para o presente escrito é que novamente o CARF surge com um debate que merece destaque.
Ocorre que recentemente o CARF proferiu decisão a favor do(s) contribuinte(s), julgando um tema não necessariamente novo, mas certamente relevante, que é o que trata da limitação à punição em se tratando de direito tributário.
O cerne da discussão envolve a aplicação de um princípio natural ao direito penal, que é o da absorção ou consunção – segundo o qual na concorrência de duas condutas puníveis, a mais grave absorve a mais leve, punindo-se assim de acordo com a norma mais completa.
Considerando que o direito tributário é área que prevê punição em casos de descumprimento das obrigações tributárias, e que tal punição é decorrente de lei e aplicada por alguém que detém mais força do que o contribuinte – o Fisco – há aí uma briga, judicial e extrajudicial (onde se insere o CARF), pela aplicação da mesma racionalidade disposta no princípio da consunção aos fatos tributários.
A dizer, desde 2017 o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT-SP) vem aplicando em perceptível número de casos o raciocínio.
Todavia, em sede de tributos a cargo da União, pouco ou muito pouco destas decisões do TIT-SP se aproveitam, motivo que torna a decisão que originou este escrito um sinal (bom) de mudança de entendimento no CARF em favor dos contribuintes, na aplicação da teoria da consunção.
O caso recentemente julgado, então, consistiu na análise sobre a dupla incidência de multas relacionadas (i) à multa isolada aplicada sobre a falta de recolhimento das estimativas mensais do tributo não recolhido e (ii) multa de ofício sobre o inadimplemento do tributo que seria devido anualmente.
A título de curiosidade, a matéria já foi objeto até mesmo da Súmula CARF nº. 105. Ocorre que até então, o raciocínio que impera sobre o tema é de que para fatos posteriores às alterações legislativas de 2007, não seria aplicável a referida Súmula.
No entanto, no caso levado à discussão no acórdão do processo nº. 10665.001731/2010-92, decidiu-se em sentido a excluir a multa aplicada sobre a ausência de recolhimento das estimativas mensais.
A justificativa, de acordo com o voto vencedor, é a de que na conduta que enseja a aplicação da multa de ofício – o não recolhimento do imposto anual – já está necessariamente pressuposta a conduta de não recolhimento mensal das estimativas, de modo que não se justifica a manutenção das duas penalidades ao contribuinte. Disse a ementa da decisão:
É certo que o cerne decisório dos Acórdãos que erigiram a Súmula CARF nº 105 foi precisamente o reconhecimento da ilegitimidade da dinâmica da saturação punitiva percebida pela coexistência de duas penalidades sobre a mesma exação tributária.
O instituto da consunção (ou da absorção) deve ser observado, não podendo, assim, ser aplicada penalidade pela violação do dever de antecipar o valor de um determinado tributo concomitantemente com outra pena, imposta pela falta ou insuficiência de recolhimento desse mesmo tributo, verificada após a sua apuração definitiva e vencimento
Assim, se vê que para o caso em comento, o CARF sinalizou algo que pode vir a ser favorável a outros contribuintes que enfrentem a mesma situação: a adoção de uma racionalidade punitiva adequada ao ordenamento jurídico, medida que tende a aumentar a sensação de segurança jurídica dos contribuintes.