Por Jose Rodriguez Limeres Jr.
Advogado
Existe um pedido muito corriqueiro que é feito perante às prefeituras dos municípios brasileiros, qual seja: ‘Pedido de Reconhecimento da Não-Incidência do ITBI na transmissão de bens imóveis ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital social’.
Tal possibilidade está disposta no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988. Como o tributo é de competência dos municípios para criar, fiscalizar e arrecadar, de alguma maneira eles criaram a necessidade desse tipo de requerimento para evitar que situações simuladas possam ser utilizadas para evitar o pagamento do ITBI quando realmente devido no caso fático.
Contudo, os municípios tentam de todas as formas possíveis e inimagináveis indeferir os pedidos, utilizando de justificativas que não estão albergadas pelo ordenamento jurídico pátrio, bem como a exigência de documentos que não servem para apreciar o pedido feito, sob a máxima, muito conhecida no meio jurídico, de que o contribuinte deve sempre pagar algum valor de tributo.
A partir da previsão constitucional, o Código Tributário Nacional (CTN) é que regulamenta o ITBI, como a questão da não-incidência na incorporação, entre os artigos 35 ao 42. A questão específica está no art. 35, I, e no art. 37 quando não se aplica a não-incidência.
Destarte, verifica-se que naqueles termos não há a incidência para a incorporação, e para a desincorporação do bem imóvel a ser transferido para um sócio/acionista como pagamento dos lucros acumulados da pessoa jurídica? Existe a previsão legal da não-incidência? Existem condições que devem estar presentes? Há previsão constitucional para tanto? Enfim, são diversas questões que devem ser analisadas para se ter uma resposta jurídica adequada.
O tema é polêmico, pois para os advogados que labutam com o direito constitucional-tributário, a não-incidência é aplicada; de outro lado, os municípios, que querem arrecadar cada vez mais e acabam aplicando a literalidade da lei sem fazer uma interpretação sistemática, entendem que incide com base no Parágrafo único do art. 36 do CTN.
Diante disso, é necessário, como dito acima, fazer uma interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais e legais que autorizam o deferimento do pedido, para justificar a não-incidência do ITBI nesses casos.
A Constituição Federal de 1988 delimitou situações em que há a imunidade tributária ou a não incidência tributária para determinadas situações fáticas, que impedem que os entes federados, que detém competência tributária para criar, arrecadar e fiscalizar determinado tributo, fiquem impedidos de lança-lo e cobrá-lo sobre aquelas situações previstas constitucionalmente.
Uma dessas limitações ao poder de tributar, dentre várias existentes, é a que está prevista no art. 156, § 2º, inciso I da CF/88, já mencionado acima.
Por se tratar de uma limitação constitucional ao poder de tributar, a Constituição Federal estabeleceu que esses temas, bem como as normas gerais em matéria de legislação tributária, devam ser tratados por Lei Complementar, nos termos do disposto no art. 146.
Assim, atendendo ao que está determinado na CF/88, sobreveio a Lei n° 5.172/66 (CTN), que mesmo tendo sido criada como Lei Ordinária, foi recepcionada como Lei Complementar em razão da materialidade que trata. Nesse contexto, o ITBI é regulamentado entre os artigos 35 e 42 do CTN. Quanto à não-incidência prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da CF/88, o CTN regulamentou no art. 36, incisos e Parágrafo único, já mencionados acima.
Além do mais, interpretando apenas o que está previsto na CF/88 e no CTN, se não há incidência do imposto quando o bem imóvel é dado em pagamento para integralizar o capital subscrito, por expressa determinação constitucional, parece lógico que na hipótese inversa, ou seja, de sua devolução (desincorporação), também não deva incidir a tributação do ITBI.
Em atenção ao Parágrafo único do art. 36 do CTN, não há previsão expressa contida na CF/88, que limita a não-isenção às hipóteses de transferência de bens para integralização do capital subscrito pelo sócio, às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica (inciso I do § 2o do art. 156 da CF).
Em uma interpretação literal, a regra do Parágrafo único do art. 36 do CTN não tem apoio no texto constitucional. Todavia, esse Parágrafo único não pode ser interpretado isoladamente, mas de maneira conjugada com os artigos 5º e 156, § 2º, I, do art. 156 da CF/88, artigos 169 e 178, § 2º, III, da Lei das S.A. (Lei nº 6.40476) e art. 64 da Lei nº 9.934/94.
Contudo, como já dito, deve-se fazer uma interpretação sistemática entre a Constituição e as normas infraconstitucionais. Primeiramente, a condição de “aos mesmos alienantes” que está no referido Parágrafo único do art. 36, viola o art. 5º e o art. 156, II, ambos da Constituição Federal, pois se um sócio pode incorporar um bem imóvel ao patrimônio da pessoa jurídica em realização do capital social (art. 156, § 2º, I, CF/88) sem a incidência do ITBI, por qual motivo deveria haver a incidência quando o imóvel for desincorporado do patrimônio da pessoa jurídica para o sócio que não integralizou com o referido imóvel?
Ou seja, essa condição não foi recepcionada pela Constituição Federal e não pode ser utilizada para limitar ou mesmo vedar a não-incidência do ITBI na transmissão de bem imóvel para qualquer um dos sócios a título de distribuição de lucros, desde que os valores sejam os mesmos, por óbvio.
Nesse sentido, no momento em que o imóvel se torna propriedade da pessoa jurídica, assim como dinheiro integralizado ou outros bens, forma-se um patrimônio único, não havendo qualquer tipo de ligação com o antigo proprietário do imóvel, e a possibilidade de que a desincorporação só possa ser feita para o “mesmo alienante” viola o Princípio da Igualdade, previsto no art. 5º, e o Princípio da Isonomia Tributária, previsto no art. 150, II, ambos da Constituição Federal.
A situação equivalente, destacada acima, é a dos sócios da pessoa jurídica, não havendo qualquer distinção entre eles, a não ser o número de quotas ou ações que possuírem.
Para ilustrar brevemente a violação, se o imóvel, agora de propriedade da pessoa jurídica, for transmitido para o sócio que é o antigo proprietário do imóvel, não incide ITBI, mas se for transmitido para outro sócio, incidirá o ITBI, o que demonstra que a condição “mesmo alienante” não foi recepcionada pela Constituição Federal.
Soma-se a isso, outros dispositivos que devem ser analisados conjuntamente. Pois bem, o Balanço Patrimonial (BP) serve para facilitar o conhecimento e a análise da situação financeira da companhia e é composto pelo Ativo, Passivo e Patrimônio Líquido dessa maneira: Ativo = Passivo + PL.
O art. 178, § 2º, II, da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) dispõe acerca das contas que devem compor o Patrimônio Líquido, que estão divididas em “capital social, reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados. ”. Por conseguinte, o Patrimônio Líquido é um todo.
Dentre as contas previstas no passivo, está a do capital social e a aos prejuízos acumulados (lucros acumulados e devidos aos sócios). E, em relação a essas duas contas, existe a possibilidade de os sócios receberem o lucro acumulado, isento da tributação do imposto de renda, pois já foi tributado anteriormente, ou utilizar o lucro para aumentar o capital social, possibilidade, essa, expressa no art. 169 da Lei das S.A.
Nos termos do art. 169, há previsão expressa da possibilidade de se aumentar o Capital Social com a capitalização dos lucros. Nesse contexto, se existem lucros no Patrimônio Líquido e estes lucros serão distribuídos em dinheiro aos sócios, não incide o imposto de renda, pois já existiu a tributação antes da apuração do lucro. De outra maneira, se os lucros são distribuídos através de bens imóveis desincorporados do patrimônio da pessoa jurídica aos sócios, sendo o patrimônio uno, já mencionado acima, e sem distinção alguma em relação aos sócios, também não pode incidir o ITBI.
A única exigência que se pode fazer para o registro da transferência do bem imóvel ao sócio que o recebe em pagamento do capital reduzido, via distribuição de dividendos (lucros), é a formalidade da escritura pública, pois o art. 64 da Lei nº 9.934/94 só dispensa a escritura pública na hipótese inversa, isto é, transferência de bem imóvel para formação ou aumento de capital social.
Destarte, por versar sobre matéria excepcional, o referido art. 64 deve ser interpretado de forma restritiva, ou então de forma estrita sem qualquer ampliação.
Do exposto até aqui, numa interpretação sistemática, não incide o ITBI na desincorporação de bem imóvel na distribuição de lucros aos sócios. Como visto, se existindo lucros a pessoa jurídica pode aumentar o Capital Social, na desincorporação ela diminui o Patrimônio Líquido.
Não faz sentido a pessoa jurídica ter que incorporar o lucro no capital social, elevando-o, para, só depois, desincorporar o bem ao sócio. Depois que os bens móveis ou imóveis foram integralizados ao Capital Social da pessoa jurídica, e fazem parte, por conseguinte, do Patrimônio Líquido da empresa, não há diferença entre eles quando são distribuídos os lucros aos sócios, ou acionistas, por imóveis ou dinheiro.
Para Roque Carrazza , assim como a incorporação de um bem imóvel à sociedade empresária é imune ao ITBI (entenda-se como não-incidência), o fenômeno oposto, isto é, a retirada de um bem imóvel do patrimônio da empresa também o é destacando-se “ Aduz acertadamente: “É incontroverso que a incorporação – que, em última análise, fortalece a sociedade – não sofre a incidência do ITBI. Esta é a própria dicção constitucional. Ora, a “desincorporação” – que a enfraquece – por muito maior razão (argumento a fortiori) também deve ser alvo do benefício constitucional em tela. Chega-se a esta conclusão até por uma questão de “simetria jurídica”.
Portanto, nos termos do que foi exposto brevemente no presente artigo, pela interpretação sistemática da CF/88 e da legislação infraconstitucional, não incide o ITBI quando um bem imóvel é desincorporado do patrimônio da pessoa jurídica pela transmissão ao sócio a título de recebimento de lucro acumulado.
Nesse sentido, é necessário que um advogado, que tenha conhecimento do assunto, possa auxiliar o cliente de forma completa em buscar o reconhecimento desta ‘não-incidência’ do ITBI, dentro de um ótimo planejamento, para a operação de desincorporação tratada aqui.