Por Jose Rodriguez Limeres Jr.
A ‘norma antielesiva’ prevista no Parágrafo único do art. 116 do CTN, foi incluída pela Lei Complementar nº 104 de 2011, que dispõe o seguinte: “Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”.
Neste breve artigo, cujo objetivo é informar sobre a inexistência de lei regulamentando a referida norma, bem como apresentar alguns elementos que justificam tal posicionamento, tendo em vista que o Fisco utiliza referido dispositivo como fundamento para indeferir pedidos que os contribuintes fazem.
Pois bem. Nos termos do Parágrafo único do artigo 116, há a previsão da possibilidade de a autoridade fiscal, no exercício de sua função de fiscalização, “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.
Como se nota, de pronto, é a necessidade da existência de Lei Ordinária para complementar o referido dispositivo, para que possa ser aplicado. Todavia, até o presente momento, inexiste lei tratando da matéria, e, mesmo assim, a Fazenda utiliza do referido dispositivo para fundamentar as negativas perante os contribuintes.
Da simples leitura do texto do dispositivo legal, depreende-se que não é completa a norma em si, haja vista que não possui todos os elementos necessários para sua aplicação. Nesse sentido, o doutrinador Paulo de Barros Carvalho enuncia que “Pode acontecer que uma norma válida assuma o inteiro teor de sua vigência, mas por falta de outras regras regulamentadoras, de igual ou inferior hierarquia, não possa juridicizar o fato, inibindo-se a propagação de seus efeitos.”.
Ademais, nesse contexto, as normas jurídicas estão vigentes, os eventos do mundo social nelas descritos se realizam, contudo, as regras não podem juridicizá-los e os efeitos prescritos também não se irradiam, pois falta a “eficácia técnica” a esse tipo de norma, ou seja, não tem como ela ser utilizada pela Fazenda como fundamento para desfazer os negócios jurídicos realizados pelo contribuinte.
No mesmo seguimento, a doutrina é praticamente unânime. Veja, outro exemplo, pela exegese do professor Ives Gandra da Silva Martin, em que afirma que “a eficácia da norma é futura e condicionada, não podendo, pois, dar suporte a qualquer ação fiscal para fazê-la efetiva, sem lei que crie os procedimentos pertinentes para tal fim”.
Destarte, tal dispositivo não pode ser aplicado até que adquira sua eficácia técnica, ou seja, seja publicada lei ordinária regulamentando-o, necessitando-se, por conseguinte, da análise dos princípios materiais que devem nortear a norma que dará a “eficácia técnica”.
Um desses princípios, e o mais importante, é o da legalidade, que visa limitar a atuação da autoridade administrativa, tendo em vista que o disposto no Parágrafo único é claro para que possa ser desconsiderado os atos e negócios jurídicos: “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.
De mais a mais, é possível deduzir que o CTN veiculou uma norma de eficácia limitada, na medida em que a plenitude da eficácia somente será obtida após a edição da lei ordinária dispondo sobre tais procedimentos, como já enfatizado.
Isso significa que, enquanto não for devidamente editada e publicada uma lei ordinária dispondo a respeito, faltará um elemento essencial à aplicabilidade do Parágrafo único do art. 116 do CTN, sendo ilegal o ato administrativo fiscal que, nesse intervalo, pretender nele apoiar-se, como de forma contumaz, o faz.
Nessa mesma linha argumentativa, cumpre observar que tal cenário deve ser feito com supedâneo no princípio da legalidade, estando a autoridade administrativa submetida ao disposto na lei ordinária a ser criada, nada além disso, tendo em conta que esse princípio exige que a lei descreva rigorosamente os procedimentos a serem adotados pela Fazenda Pública para o lançamento do tributo, bem como as medidas a serem adotadas para o seu recolhimento e fiscalização.
Ainda, cumpre acrescentar o pensamento do professor Roque Antonio Carrazza, no sentido de que “o princípio da vinculabilidade da tributação ao nível infraconstitucional, ou seja, a Administração Pública, deve, obrigatoriamente, assim que verificado o fato imponível, aplicar as leis pertinentes ao caso concreto. A eventual omissão do legislador não pode ser “superada” pelo agente fiscal. Este deve limitar-se a aplicar a lei de ofício e não “corrigir” a lei, preenchendo suas eventuais lacunas.”.
Por todo esse viés acerca do Princípio da Legalidade, todos os contribuintes possuem o direito de ver a atividade fazendária amarrada à lei, que, inclusive, deve conferir-lhes adequados meios de defesa de seus direitos constitucionais.
Dessa feita, a autoridade administrativa deve obedecer aos limites previstos em lei para efetuar a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos que se enquadrarem nas hipóteses de dissimulação a serem consagradas por lei ordinária.
Além disso, mesmo utilizando de maneira ilegal a normativa para desconsiderar os atos ou negócios jurídicos, a Fazenda deve provar que existiram ilegalidades por parte do contribuinte, não apenas alegar, ou melhor, acusar e o contribuinte que se vire, haja vista que, a princípio, os atos e negócios jurídicos realizados são legais e válidos.
Portanto, considerando o disposto acima, para que se possa realizar um planejamento adequado, é necessário que o contribuinte contrate um especialista para evitar possíveis desconsiderações por parte da Fazenda. Pois, caso contrário, muitas vezes quando se contrata um ‘profissional’ desqualificado, o contribuinte terá que buscar um advogado especialista para arrumar os problemas que foram criados, aumentando o valor gasto pelo contribuinte no referido planejamento.